[VIAGEM]

[Leia ouvindo "The Paper Kites" - Bloom]


         O meu coração se cobriu com um chapéu de palha, colocou uma mochila e sorriu enquanto pedia carona a um caminhão às três da tarde. Quando pegou a estrada, não se calou. Contou por horas das desmazelas que sofrera - Meu coração já passou embaixo de arame farpado e já rolou por caco de vidro usando, como dizia Anne Sexton, apenas sua coragem - Que era um carvão que eu vivia engolindo. 
         Ele viu o pôr-do-sol laranja após horas de estrada e pediu para mudar a estação de rádio, pois a música insistia em rasgá-lo. O caminhoneiro trocou a estação e ofereceu gentilmente agulha e linha para ele se remendar. 
         E ao cair da noite, meu coração fitou as estrelas enquanto o caminhoneiro roncava alto. Foi nesse embalo que caiu no sono e sonhou com todos os amores imperfeitos que já vivera: Os ledos enganos, as confusões, os extrapolamentos, os desencantos, os tiroteios. Meu coração é um sobrevivente que lutou bravamente com um colete a prova de balas e uma língua munida de bons argumentos.
         Quando amanheceu, o caminhoneiro o deixou numa lanchonete beira de estrada, já que meu coração não tinha rumo exato. Ele caminhou por horas a fio com sua mochila e chapéu de palha enquanto pedia carona novamente - Para trailers dessa vez. 

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