[TÓXICO]

[É uma carta ácida. Muito ácida]
[Esses personagens são completamente fictícios sem qualquer vínculo com pessoas vivas ou mortas. Não são pseudônimos de maneira nenhuma. Vamos, de onde você tirou isso?]
[Leia ouvindo "Concrete Wall" - Zee Avi]
15 de agosto de 2018
Lucas, 

       É agosto e choveu, então eu lembrei de você. Isso por ser agosto e como dizem, é o mês do desgosto e isso foi praticamente tudo que você me fez sentir esses últimos tempos. E também por ter chovido numa das épocas mais secas do ano e isso foi o que me aconteceu quando eu parti de você. 
          Entenda, você conseguia fazer com que eu me sentisse um cacto no deserto quando eu deveria me sentir encharcada por uma chuva torrencial. Você era morno. Tanto fazia para você. Eu podia gritar tudo que quisesse. Mil "eu te amos" sem receber nada de volta. Você no máximo abria a boca para dizer um "eu te adoro" bem seco ou para brincar com seus dentes no meu pescoço. Na verdade era assim que eu me sentia na maioria das vezes: Sugada para dentro de você, como se você fosse um vampiro faminto que se alimentava  de qualquer energia que eu ousasse emitir. 
           Não. Eu não podia ficar. Não de novo. Não com a gente sendo a gente. Cheios de desencontros e más desaventuranças. Você não conseguia me ver de verdade nem se eu pisasse nos seus pés com salto quinze. Você conseguiu machucar a minha alma de todas as formas possíveis só por você estar machucado. Não precisava me machucar só por isso. Não precisava virar o opressor no nosso teatro do oprimido. 
          Eu sei que a vida foi dura com você; sei que te afogaram em pólvora e caco de vidro. Sei que eu te estendi a mão e você se agarrou a mim como se eu fosse o seu bote salva vidas. "A senhorita me dá paz", você me dizia com os olhos brincalhões. Bom, você não me dava paz, pode apostar. Era uma droga me sentir assim. 
        Entramos numa rotina tóxica. Num limbo tóxico. Você se acomodou com os meus braços sempre lá para te pegar quando você mergulhava no abismo. Era só saltar e eu te pegaria. Era só pedir perdão e eu te perdoaria. Era só me abraçar e eu te abraçaria. Era só me beijar e eu retribuiria. Eu percebi que era uma bonequinha na nossa relação. Logo eu, que aplaudia tanto Nora em Casa de Bonecas. Logo eu que sorria quando tocava Essa Boneca Tem Manual. Como fui cair nessa? Simples. Você era meu melhor amigo. E eu não ousava quebrar esse vínculo. Afinal, era impossível você me magoar. Ledo engano.
              Você fazia questão de colocar a culpa de não darmos certo em mim e eu aceitei isso por muito tempo. Eu era a complicada. Eu era a dramática. Eu. Eu. Eu. Todo mundo me disse para eu me afastar. Mas eu te defendi com unhas e dentes. Éramos melhores amigos. Eu sabia das suas cicatrizes e dos seus defeitos. Mas eu estava errada. Você nunca foi para mim. Era demais até para mim, compreensível, aceitar.
               Não vou responder suas cartas, mensagens, ligações. Não vou voltar só por você ter pedido desculpas. Nem só por você sentir a minha falta, que aliás deve sentir muita mesmo. Deve olhar todo dia para o lado e sentir falta de alguém completamente apaixonada por você; alguém que bebia suas palavras como se bebesse licor de framboesa. Eu não sinto mais sua falta, meu amigo. Não mais. 
                 Mas obrigada por tudo que vivemos antes da toxidade. Óbvio que fomos felizes antes disso tudo. Obrigada por colecionar as minhas histórias, incentivar meus sonhos, fazer planos comigo - Mesmo que eles nunca tenham saído do papel. Ainda rezo por você. Rezo para que você tome jeito e dê paz para alguém que também te dê paz. Rezo para que você remende seus cantos escuros com retalhos e deixe a costura bem a mostra para se lembrar que todos nós somos remendados. Rezo para que você encare seus demônios. Mas peço a Deus para não te encontrar mais na rua. Peço a Deus para não ter que escrever outra carta cheia de amargura. Rezo para me apaixonar de novo e para uma reciprocidade real. Peço para que mesmo quebrando a cara várias vezes, eu nunca machuque alguém só por ter me machucado - Aprendi isso e o distanciamento de certas situações com Brecht e Boal. 
                  Eu te perdoo. Obvio que te perdoo. Mas eu não posso mais te ter na minha vida. E eu realmente espero que você seja estrondosamente feliz. 
 
                                                                           Com amor, 
                                                                          Patrícia
PS: Eu ainda te amo. Mas eu não gosto mais de você

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