[Carta Para A Depressão]

[Leia ouvindo "Breath Me" - Sia]
[Para entender melhor o sentimento no qual a carta foi escrita, escute a música]
[Foi uma carta dolorida de escrever]

          Nós duas não nos damos bem e eu te imploro: Faça suas malas e vá embora. Chega das suas visitas repentinas que duram dias, semanas, meses. Você nunca tem data para vir e ir. Eu tomo minhas pilulas-de-sei-lá-o-que direitinho às onze da noite; então por favor, pare de se deitar do meu lado, me enrolar numa conchinha e sussurrar tudo que você acha de mim. Eu não quero escutar.
           Eu te imploro! Me deixe comer e para de segurar a minha língua e garganta. Para de sorrir para mim como se fossemos melhores amigas. Eu nunca quis a sua amizade e nem escutar suas histórias por horas e horas a fio. Pare de me tirar para dançar debaixo da lua cheia e de me fazer temer objetos cortantes. Você segura lâminas na minha garganta e eu não acho isso divertido. Você me faz refém nas minhas próprias rotas de fugas. Me enfia no carro e arranca com ele a 180. Por favor. Pare.
        Não chame a sua amiga ansiedade para me visitar também durante as férias. Não me façam comer tantos bolinhos. Um. Dois. Eu não preciso de tantos. Três. Quatro. Eu não quero. Não me façam me sentir culpada pelo que vocês me fizeram fazer comigo mesma.
          Para de me trancar no quarto e de jogar a chave fora. Me deixa ver o sol, abraçar os outros, sair para correr. Me deixa viver uma vida equilibrada. Para de me beijar e de me fazer querer abrir as minhas entranhas para conferir se são os mesmos fantasmas gritando dentro de mim. Eu não sou sua casa vazia. Você não pode rebocar as minhas paredes, jogar meus quadros fora e deixar a grama crescer assim.
       Você não é romântica com as suas mãos no meu pescoço me arrastando por noites e noites adentro; muito menos me prendendo na cama quando eu preciso sair de casa. Eu queria tanto fugir de você, mudar de endereço e ver se você não me encontra mais. Eu acho que a nossa relação me fez me perder. Ela nos fundiu numa só. Eu não sei direito onde começam os seus pensamentos e onde começam os meus. Talvez você seja um prolongamento meu ou vice-versa. Talvez eu tenho te dado o endereço e te colocado para dentro num desses dias chuvosos, talvez eu tenha te alimentado com todas as minhas porcarias e desde então você vem me visitar e nos tranca juntas num cômodo minusculo. Mas o sol está tão bonito lá fora e eu queria tanto vê-lo. Por que não vai atrás dele e me deixa ir também?
         Talvez você se ofusque perto dos que brilham demais. Talvez por isso você não ousa visitar gente radiante. Talvez por isso você foi com a minha cara naquele dia chuvoso e me beijou às pressas depois de dar uma boa olhada na minha massa cinzenta.
            Você descobriu a minha anatomia e me abriu. Deu uma boa olhada no meu avesso e nos meus órgãos internos e deixou-os assim: vulneráveis. E eu? Eu deixei você me costurar de novo e reabrir. E costurar. E abrir. E costurar. Tudo de novo. Eu virei a sua bonequinha de pano. Você me rasgava e remendava quando bem entendesse. Você é um vírus. Um retrovírus em cada célula minha quebrando meus mecanismos de defesa e arrebentando com toda a minha ocitocina.
             Eu só quero que você vá embora. E logo. E pare de me visitar. Eu nunca sinto a sua falta.

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