[Quantos amores cabem no seu bolso?]
[Leia ouvindo "Chance" - Verônica Não Veio]
"Quantos amores cabem no seu bolso?" - O senhor que morava na minha frente me perguntou uma manhã dessas na parada. Seus olhos queriam uma resposta rápida. Queria a resposta antes que o seu último fio de cabelo preto ficasse branco; o que, cá entre nós, não tardaria muito.
"Não sei, senhor. Meu bolso é pequeno demais para caber amores."
"Vamos, menina!" - Ele me repreendeu - "deixe de tolices! Seu coração é amador demais para não levar amores no bolso e suspiros na palma da mão. Me diz logo! Quantos cabem?"
"Não sei" - Respondi irritada. - Já te falei. Meus bolsos são pequenos demais. E as minhas mãos suadas não conseguem manter os suspiros inteiros. E o senhor? Quantos amores cabem no seu bolso?"
"Ah, menina!" - Ele respirou profundamente - "Quando eu tinha a sua idade e bolsos pequenos demais, eu abarrotava os bolsos de amores e eles acabavam por cair na rua quando eu andava"
"E o que o senhor fazia?"
"Eu voltava para buscar" - Ele me contou melancólico - "Mas os amores são uns danados e sempre fugiam de mim. Perdi tantos amores por essas ruas"
"E o que foi feito deles?"
"Alguns encontravam bolsos maiores que os cabiam perfeitamente. Outros se perderam por aí. Podem ter caído em bueiros e isso é tão triste"
"E hoje? Quantos amores cabem no seu bolso?" - Indaguei novamente.
"Eu comecei a usar paletó. Então tenho vários bolsos"
"Eu devia colocar um paletó então. Ou talvez um moletom. Acho que serviria bem e eu não teria problema com bolsos pequenos demais"
"Largue de besteiras" - O velho me repreendeu com um olhar severo. - "Aposto que nos seus bolsos já cabem amores. E você não precisa abarrotar os bolsos de amores. Coloque poucos. Pode virar uma colecionadora de amores se dar o devido espaço para cada amor. E você não respondeu minha pergunta, menininha! Quantos amores cabem no seu bolso?"
"Dois ou três" - Respondi enfiando a mão nos bolsos para ter certeza do espaço.
"Ótimo! Ótimo!" - O velho sorriu. - "Pois então! Não se pode sair de casa sem espaço nos bolsos"
O ônibus chegou e eu não me despedi do velho Cícero. Passei a catraca e sentei na janela. Na outra parada um jovem de sorriso torto se sentou ao meu lado e me indagou como se já soubesse a resposta da pergunta: "Tem bolsos?'
"Por que? Posso te guardar neles?"
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