[110]

[Leia ouvindo "Lady Lie" - Rainbown Kitten Surprise]        



            Eu preciso dizer que cada dia eu me apaixono por uma pessoa diferente. Me apaixonar assim me deixa preocupado, verdade seja dita! Meu coração não cabe tantos (des)amores. Essas paixões me cansam o espírito e fadigam a minha mente. Estou francamente cansado.
            O pior de tudo é que não dá tempo de manter a paixão. E eu pensando que era imune a Bauman e o seu amor líquido. Que besteira. Uma grande e enorme besteira. Não posso fazer nada. Eu ainda tenho que pegar o ônibus e me apaixonar durante o percurso para a rodoviária. Ai ai.
              Na segunda vi uma moça encantadora de olhos fechados viajando na música que ouvia enquanto cantarolava muda. Senti vontade de colar meus ouvidos em seu fone para saber que música era aquela que a embalava. Seria Cícero? Ou talvez Anavitoria? Ela não tinha cara de quem ouvia scatlove. Eu poderia ter perguntado. Mas era a hora de descer.
                Na terça vi uma menina de cabelos curtos sorrindo para um livro. Os olhos castanhos acompanhavam a página de cima a baixo. Ela marcava as páginas que pareciam mais interessante com pequenos post-its alaranjados. Senti vontade de interromper e perguntar: quais palavras a fascinavam? Quais contextos ela gostava? Do que afinal ela estava rindo? Quem era o autor daquela trama toda? Eu poderia convidá - lá para tomar um café em um sebinho ali perto. Mas era a hora de descer.
                Na quarta eu vi uma moça de cabelos cacheados. Seus cachos balançavam conforme o movimento do ônibus. Freavam. Aceleravam. Era uma doce bagunça e dava para sentir o cheiro do perfume dela. Um adocicado. Parecia morangos, ou rosas, talvez os dois. E tinha talvez um toque de café. Seria a combinação de shampoo, perfume e creme? Certamente que eu não iria descobrir. O tênis dela estava desamarrado. Um all star azul. Lembrei de Nando Reis. Eu poderia perguntar se ela curtia. Mas era a hora de descer.
              Não fui para a faculdade na quinta.
              Na sexta eu vi uma menina com rosto de elfo e sardas. Cabelos pretos e batiam no queixo. Tinha a nuca de fora. Ela chupava um pirulito que explodia na boca, aqueles que compram na padaria. Um tal de Diploko. Ela se divertia ouvindo os estalos na língua. Ela sorriu e perguntou se eu queria um. Eu aceitei. Abri o saquinho com os dentes e senti o ploc-ploc na língua. Eu ia perguntar o motivo dela gostar tanto daquele pirulito. Ia perguntar qual curso ela fazia, seu nome, telefone... Mas ela se levantou e desceu do ônibus. Muito sacana, 110. Muito sacana. 
               Hoje é domingo e eu não estou psicologicamente preparado Para me levantar amanhã, vestir uma roupa, pegar o 110 na rodoviária e viver Bauman novamente. Francamente falando, estou cansado de ver tantos possíveis (des)amores escorrendo pelos meus dedos. 
               
    

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