[A visão dele]

[Leia ouvindo "Segunda-Feira" - Esteban Tavares]

       Okay. Eu poderia dizer que a culpa foi totalmente sua. Você fez as malas. Disse que estava cansada. Me deu um abraço apertado e saiu pela porta da frente. E eu não fiz nada para impedir. Não fiz nada pois seria injusto contigo. Eu fiz você ficar mais tempo antes. Por favor, meu bem, só alguns meses mais. Eu te prendia com todas as minhas forças junto a mim pois eu não podia suportar a ideia do "viver sem você". Por mais que eu fosse o seu tóxico. 
       Você deixou alguns livros para trás. E isso é engraçado pois você ama seus livros. E quando eu abro o spotify e está tocando "Eu Vou Estar". Uma piada de mau gosto, se quer saber. Eu não vou estar em tudo que você vê. Nos seus livros, nem nos seus discos. Muito menos vou entrar na sua roupa - Não de novo. Você, ao contrário, vai ser difícil de esquecer, garota. Você já está entranhada no meu apartamento. No meu sofá daquele dia que assistimos Blade Runner Amèlie Poulain no mesmo dia; você era a figura esbelta que subia no meu centro de mesa para ficar mais alta que eu. Você sorriu e espreitou os olhos. Na hora eu lembrei da Tigresa do Caetano Veloso, de unhas negras e íris cor de mel. Que mulher. Que beleza me aconteceu! 
         Você está na minha cozinha. Rindo do estrago que você fez no fogão. Jogando pipoca em mim. Me molhando com a água da pia. Cortando manga e colocando alguns pedaços na minha boca, o suco amarelo escorrendo pelo seu braço; você sempre fazia sujeira. Você está no meu quarto usando minha camiseta do How I meet Your Mother como pijama - caberia facilmente duas de você dentro dela. Você, seu cheiro impregnado na minha cama. As suas garras marcadas no meu violão e no meu coração também. Você está na porta da frente, onde eu te deixei entrar a primeira vez e te recebi com um beijo. E juro por Deus, que nunca senti lábios tão macios em toda a minha vida. Você tinha gosto de paz e de doce. 
          Você está no meu carro. Quando ficávamos mais tempo na garagem porque a música que havia acabado de começar era boa demais para não ser ouvida. Você cantarolava baixinho as suas partes preferidas. Ia se deitar no banco de trás e trocávamos carinhos de dedo e teorias sobre o mundo. Cada parte do que você falava era poesia. Cada parte sua era como teatro. Um espetáculo. Impossível de não aplaudir. Você está no meu telefone. Nas ligações de duas, três horas, onde eu sentia vontade de sair por aí rodopiando em postes debaixo da água como em Cantando na chuva.
           Talvez você não vá se lembrar de mim como uma boa parte da sua vida. Eu sei que a culpa foi minha de não ter anotado todos os seus improvisos emocionais. Eu não me pintei de você. Eu não me doei como você. Eu não fui tão visceral como você. Os meus alívios e válvulas de escape ainda estão na sua casa. Eu deixei inclusive meu Marlboro lá. Eu quis tudo que você podia me dar. Mas eu esqueci de me dar. Eu esqueci de me lembrar de tudo que se passou com você. Eu esqueci de te fazer feliz como eu jurei que faria e eu sinto muito por isso. Não vou atrás de você dessa vez. Você merece ser estrondosamente feliz com alguém que te traga tantas epifanias como você trouxe para mim. Alguém que seja seu cúmplice como você foi para mim. Alguém que saiba te amar do jeito certo. O jeito que eu não consegui. Acho que agora eu entendo a melancolia do meu amigo Caio Fernando Abreu:

"A dor de perder alguém em vida é pior do que a dor da morte, porque é o nunca mais de alguém que se poderia ter, já que está vivo e por perto."

             Mas não tem problema. Esqueça, meu amor. Esqueça de tudo que passou. Eu realmente sinto muito. 


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