[NÔMADE]

[Leia ouvindo "Je Veux" - Zaz]


                    Quando fizeram eu me sentir qualquer coisa que não inteira, não chorei. Fiz as malas, peguei minha escova de dentes e a minha boa vontade. Calcei bons sapatos, daquele bem confortáveis, e parti dali para sempre.
                     Andei por vários becos, fui guiada pelo instinto e pelo mapinha que arranjei na farmácia, que foi inclusive o primeiro lugar em que passei, pois eu precisava de curativos e anti-inflamatórios. Partir - Mesmo que de lugares que não te fazem bem - acaba te machucando e criando feridas cheias de pus na sua pele. Quanto a isso, não tem muito o que fazer.
                     Me tornei uma espécie de nômade até achar um apartamento longe de tudo mas com uma boa vista. Mobilhei o apê, pintei as paredes. Ao invés de me desdobrar para caber em lugares apertados demais para mim, lugares que não me permitiam inteira - de bagagem e tudo, resolvi que iria passar a hospedar ao invés de ser hóspede. Preparei um quarto, estendi um tapete de "bem vindo" na entrada e escancarei a porta. Bem vindo para ficar, a vontade para sair. É uma frase de efeito e cliché que funciona bem se você parar para pensar bem.
                     Recebi algumas visitas. Algumas inesperadas, outras apressadas ou tímidas. Tive até que expulsar algumas. E vou te contar, foi melhor do que vaguear por aí sem teto tentando caber em lugares pequenos demais para mim.
                   

           

Comentários

  1. Deveria haver um lugar onde a vida segue. Um lugar onde o amor não cegue. Nem meu, nem seu. Apenas um lugar onde pudéssemos nos encontrar e comer uma torta, rir, amar, viver. Não quero paredes pintadas. Capacho de boas vindas. Não quero ser hóspede, uma visita.

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  2. (leia escutando Universo em teu corpo - Taiguara)

    O mundo é sempre mobília velha. É casa de aluguel de senhorio entraria. Nascemos para viver no outro, no que nos ama e que também amamos. Por isso é tudo tão sombrio e tóxico quando não estamos amando.

    E qualquer dia desses eu levo o vinho e você traz o seu sorriso, ou pelo menos a disposição de sorrir, que os motivos para ele surgir a gente descobre juntos.

    Mas me conta: que tipo música você gosta?

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  3. *Senhorio ingrato (maldito corretor)

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  4. Adoraria ouvir algumas histórias suas, bem como conhecer esse seu bolso sempre cheio de sonhos e palavras.

    Sempre que vejo alguém falar sobre poesia, me lembro de Fernando Pessoa em Autopsicografia. Será que fingimos entender a dor ou será que a reescrevemos com nossas próprias experiências a dor fingida dos poetas? Talvez a poesia não esteja nos versos, mas nas pessoas, e a grande habilidade dos poetas é saber ler as pessoas. Se for assim, você é poesia,doce, suave, assassina de peixes e de amores, mas tão bela e cativante que faz com que queiramos sempre mais um pouco de você.

    AUTOPSICOGRAFIA

    O poeta é um fingidor
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.

    E os que lêem o que escreve,
    Na dor lida sentem bem,
    Não as duas que ele teve,
    Mas só a que eles não têm.

    E assim nas calhas de roda
    Gira, a entreter a razão,
    Esse comboio de corda
    Que se chama coração.

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