[Toc-Toc]

[Leia ouvindo qualquer coisa]
[Não sei porque eu sinto que as coisas me atropelam como locomotiva, ou porque agitam minhas moléculas como num furacão.]
[Vamos, meu bem, tomamos pilulas todas as noites justamente para isso.]


           Tenho vivido meus dias feito o viciado de Buarque que parte de novo e sempre todos os dias e depois volta para eventuais desaventuranças da vida. Você sabe que eu sempre fui esse tipo de vira-lata: correndo por becos, revirando lixos, entrando e saindo de casa. Você deve saber qual é o motivo do meu entra e sai frequente da sua vida. Deve saber que eu ainda não durmo bem a noite e me esqueço dos remédios das dez eventualmente. Você deve saber que eu ainda ligo e apago a luz dez vezes antes de me deitar. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. E a sua ausência me faz deixar as portas destrancadas, as janelas arreganhadas, arreganhadas, arreganhadas. Eu ainda repito algumas palavras várias e várias e várias vezes e eu me lembro de como você tinha paciência em ouvir as minhas sentenças completas. Mesmo que você estivesse sem tempo. Atrasada. Atrasada. Atrasada. Você nunca reclamou quando eu te falei que os abraços deviam ser dados com força e ser beijado três vezes quando nos despedíamos. Eu era sufocante, eu sei.
           O pior de ter a minha cabeça de vento é sentir que certas coisas precisam acontecer exatamente daquela forma ou o mundo vai implodir. E as vezes eu sinto que se eu não estiver com você, a minha cabeça vai implodir. E eu sei que toda essa dependência, dependência, dependência ajuda a fritar ainda mais o meu cérebro, e eu juro por Deus que eu não queria sentir nada disso. Queria não pensar que o ar vai me faltar se eu sem querer tropeçar nas linhas que dividem a calçada. Queria não pensar que o carro vai pegar fogo se eu não deixar a janela do banco de trás três centímetros aberta. Queria não pensar que eu posso sumir se eu não bater na porta quinze vezes exatamente. Queria não pensar que perder você vai ser pior que pisar nas linhas, vai ser pior que o fogo, vai ser pior que sumir. E eu queria não te preocupar com todos os meus problemas porque eu sei que você tem os seus.
         O pior de ter a mente assim, meio quebrada, meio torta, meio irreparável, é saber que se é capaz de amar e não conseguir fazer absolutamente nada a respeito. Mas meu psicólogo me disse ontem que todas as pessoas que amam não sabem exatamente o que fazer a respeito. Não sei se isso me consola ou se me deixa mais confuso ainda. 

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