[Entra e sai]

[leia ouvindo "Hapier" - Bastille]
[Não lembro como começou. Só sei que mesmo antes de alguns drinks, já gargalhávamos alto e já estávamos anestesiados. Não lembro como acabou. Mas um dia a gente amanheceu meio sem graça]

       A primeira vez que eu te vi, você já estava assim: linda, com cachos que balançavam de acordo com o seu andar. Para frente. Para trás. Você descia os degraus apressadamente com os olhos voltados para o chão, apressadíssima. Parafraseei seu sorriso em versos pequenos falando sobre platonices, clichês, deméritos e moças bonitas e apressadas. Parecia que havia saído de dentro de um desses clichês de cinema. E eu sabia que estava completamente ferrado. Eu me aventurei no seu sorriso. Me usei de alguns poucos versos frouxos para te alcançar e enlaçar teu braço no meu. Fomos a sorveteria e você pediu um sorvete de maracujá e calda quente de chocolate. Eu sorri quando você se lambuzou e foi estranho e bobo quando eu me encantava por cada um desses gestos. Falamos sobre a sua família, sobre o meu cachorro, sobre a faculdade e sobre as pilhas de livros no chão do seu quarto. Nos enovelamos. Viramos linhas crocheadas num belo casaco.
         Foi tão fácil entrar na sua vida e vice-versa. Eu gostava da segurança que seus cachos dava para a minha cabeça de pássaro. Teu colo virou meu ninho e sempre nos esparramávamos um no outro em tardes tediosas de domingo regadas à chá e àqueles filmes do Andesen que você tanto gostava. Éramos brisas suaves e macias que dançavam em conjunto com as nuvens e eu nunca soube que era capaz de ser tão meloso, mesmo sendo de aries.
          Você se mudou para a minha casa trazendo apenas sua boa sorte, sua camiseta preferida e sua escova de dente. Caímos na rotina nada entediante quando eu saía para o trabalho e você ia pintar um dos seus quadros. Na volta, eu buscava um vinho e você esquentava qualquer coisa no microondas. Era feliz. Compramos um cachorro e chamamos ele de Charlie, sabe-se lá Deus o motivo, você sempre teve um péssimo gosto para nomes. E sempre dormíamos nós três numa cama de casal nada minúscula e aconchegante. Era divertido lavar o carro e acabar te molhando e brincar de sorrir. E eu nem reclamava quando você me acordava nas tardes de domingo com uma pilha de roupa suja. Não fazia caso quando você estava emburrada com a cara enfiada em algum livro que parecia ser o mais triste do mundo. Nem perdia a cabeça quando a gente gritava um com o outro.
          Foi tão difícil sair da sua vida. Mas eu sabia que seríamos mais felizes quando o fizesse. Eu sabia que você não era mais a menina de cachos balançantes e de colo-ninho. Nem eu era o cara embasbacado com a cabeça de pássaro. Foi quando as pequenas coisas deixaram de importar. O seu sorriso foi perdendo o brilho. O seu braço foi se soltando do meu. Quando você se lambuzou de maracujá e chocolate, não teve mais graça. Falamos sobre signos, momentos, escolhas. Não conseguíamos mais nos esparramar um no outro e os filmes de Andersen saíram da nossa lista, começamos a ver Tarantino. Os seus quadros foram lotando a minha sala e a culpa disso não era sua. Lavar o carro não começava mais guerras de água e gargalhadas altas. Não gritávamos mais um com o outro: cochichávamos. Os dias foram ficando assim, monótonos, sem sal, gosto de chuchu.
              Aí eu acordei num domingo sem graça. Sem a sua casca. Você levou seus quadros, sua escova de dente, sua camiseta azul e o Charlie. E eu não chorei. Não suspirei. Não me lamentei. Nesse entra e sai de gente bonita com cabelos que dançam conforme o andar, e com cenas filmícas, não se pode esperar reações catastróficas para as despedidas. Os cachos se desfazem. Os espíritos livres parte. A cor desbota. O amor acaba.

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