[Escritor]

[Leia ouvindo "Holocence" - Bon Iver]
[Pedro estava envolto por papéis, canetas, às duas da manhã de um domingo]


           Anotei. Rabisquei. Desenhei um dado e uma taça de vinho na borda da página. Suspirei. Fiz um redemoinho. Escrevi uma frase. Li. Reli. Rasurei. É difícil ser poeta quando a poesia te falta. Quando o suspiro não fica preso a garganta até se escorregar para o papel em branco. Não tenho tido motivos para suspirar ultimamente. Não tenho tido motivos para reclamar, para criticar, para berrar. A vida tem sido morna, morninha. Os dias têm escorrido e escorrido e mesmo que eles gotejem para fora de mim, o tempo parece não passar. Eu deveria ter escolhido uma outra profissão e um outro hobbie. Eu poderia ter virado um professor de química: as fórmulas nunca se esgotam. E se a adrenalina fugir, você pode escrever num canto: C9H13NO3. Simples assim. Você pode desenhar com vetores de ilustração. Eu deveria ter sido um matemático. A hipotenusa é sempre a hipotenusa. E o log e as funções exponenciais seguem as mesmas fórmulas com apenas algumas exceções. Ser poeta é furada. É se apaixonar demais. é morrer e ficar a mercê de corvos todos os dias como Poe. É virar um velho sapo bêbado como Bukowski. É ter um entra e sai de mulheres. É viver bêbado e dentro de uma taverna. Não. Eu sou um escritor moderno e sem graça que toma antidepressivos, aponta seus lápis e fica sozinho por horas a fio até a inspiração chegar. 
             Eu nunca fui boêmio o suficiente. Nem falei sobre tiros, suicídio ou sobre a tal luta de classe. Nenhuma moça de sorriso alto ou olhos de ressaca me inspirou a escrever algo. Tentei recorrer a memórias da minha infância, mas não tenho certeza se ela foi tão boa assim. Pensei em como eu corria descalço pelo mundo afora e pensei em como traduzir isso. Seria tão fácil se eu fosse pintor, já dizia Frank O'Hara. Pintar sardinhas ao invés de descrevê-las é tão mais fácil. As palavras são fugitivas de mim. Escorrem. Pingam. Fogem. Acho que tramam quando ninguém está olhando e me pergunto se Ghoete realmente fez um tratado fáustico para escrever tão bem. Me pergunto por quais becos Clarice andou para achar as palavras certas para compôr suas sentenças. Me pergunto como Mary Shelley soube falar da agonia em poucas orações. Como o bêbado do Byon conseguiu inspirar os tais dos byronianos. 
            Reaponto meu lápis. Me sirvo de mais uma xícara de café. Não deveríamos escrever para ganhar o pão de cada dia. Deveríamos escrever para não morrer, Rilke já dizia. Eu deveria largar o papel, o lápis. Eu deveria virar professor de química. 
   

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