[O Amor Bate Na Aorta (Outra Vez)]

[Vai, vai ser feliz bem longe e deixe a porta arreganhada ao sair. Você sabe... Prender amores e me trancar dentro de mim nunca fez o meu estilo]
[Para os amores que não podem ficar mais que um segundo. Está tudo bem, a gente entende]

         

            São tempos difíceis de amar, meu amigo. Mas temo que ninguém tenha dito que amar tais amores seria fácil, por mais que eu me lembre das febres altas que me causou. Por mais que eu me lembre das cores que você pintou em mim. Por mais que eu saiba que doeu entrar e sair tantas vezes. Eu sei que você não joga limpo e vem em formas variadas. Em janeiro entrou na minha porta como meu melhor amigo e sorriu para mim. Tomamos um café e fizemos planos para as férias, dançamos descalços, pegamos chuva e nos deitamos de baixo da lua. Nos beijamos em maio. Em junho eu entrava pela porta da frente sem fazer alarde e pulava para o banco de trás. Fomos divertidos em julho. Você me disse que era um espírito livre e eu te disse que eu estava fadada a amar demais. Em agosto você foi embora sem dizer mais nada. 
                Passei algumas semanas de cama, mas saí para caminhar e esbarrei em você mais uma vez. Você usava um corpo diferente dessa vez e corria de não-sei-o-que. Tinha medo de amar mesmo sendo o amor nessa nova forma. Corremos no parque, rolamos na grama e quando eu deitei no seu peito debaixo daquela árvore grande enquanto líamos filosofia e ríamos das desesperanças que nós mesmos criamos. Você me beijou mais suave dessa vez, brincando com risos e com o nariz. Setembro veio e nos vemos no metrô. Vimos seu filme preferido em outubro antes de eu abrir a porta para você ir embora. 
                Eu lembrei de Engenheiros do Hawaii, porque mesmo não fumando, eu quis um cigarro. Quis mostrar o dedo do meio para as tais "circunstâncias" e aquilo-que-não-deu-certo. Quis gritar, quis mandar o mundo inteiro ir se ferrar. Mas tomei antidepressivos, vesti um vestido amarelo e tomei um café forte. Somos tão substituíveis. E amores violentos e repentinos, desses cheios de paixões e redundância são os que mais substituem. Eu sou substituível. Você é substituível e isso não deveria importar.
                  Voltei a fazer planos e você simplesmente entrou se vestindo de deboche e ironia. Você tinha um novo sorriso e um gosto estranho por músicas e poetas mórbidos. Disse que não ia ficar muito. Outubro passou e você se instalou no quarto de hóspedes. Veio novembro e você disse que não ia embora tão cedo. Então líamos toda noite com boas taças de vinho e sonhos - uma colherada por vez. Sorrimos e você quis ouvir cada verso meu. Nos pintamos de novo. Redecoramos a casa. tiramos a tintura da parede. Fingimos não nos importar com o caos do mundo ao nosso redor. No entanto, novembro chegou, e com ele, você fez as malas. Se desculpou por não poder ficar mais tempo. Eu disse que entendia. O amor as vezes não pode ficar, mesmo querendo muito. O amor as vezes não respeita limites e já chega arrombando a porta, o amor as vezes, não quer ficar porque não pode ser. Quando você quis sair, disse que voltaria depois. O seu depois poderia ser dali a uma semana ou um mês ou um ano, ou uma década - quando se fala do amor, nunca se sabe. Eu disse que tudo bem. Pedi para você arreganhar a porta da frente, por mais que a chuva torrencial gritasse lá fora. Você saiu sem guarda-chuva, rodopiando entre postes e batendo os pés. Cantarolou uma outra música boba dos engenheiros de hawaii. O amor é assim mesmo: pedante, absurdo, míope e adora músicas clichês. 

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