[Um Céu Sem Estrelas]

[Leia ouvindo "Hold On" - Chord Overstreet]
[Meu bem, não chore. Eu sei que a vida está torcendo para a gente dar errado.]
[Esse texto é para alguém que chegou, tirou os sapatos, se instalou e de uma hora para outra foi embora levando apenas seu guarda-chuva e sua cabeça de elfo]

                 Você tinha essa habilidade de carregar o mundo com a palma da mão, isso você nunca me ensinou. Mas me ensinou a beber algumas palavras com um café extra forte. Obrigada por isso. Era divertido brincar de vida contigo. Você virava alguns copos enquanto encarava um céu completamente negro. Eu ainda lembro desse dia, estávamos sentados na grama do lado de fora da festa cheia. A música alta. Você não conseguia segurar o seu sorriso de canto. E tentamos brincar de sério naquela noite, mas você estava tão bêbado que se perdeu em gargalhadas. Você jurou não beber nunca mais enquanto eu te levava para casa - Promessa que você quebrou no dia seguinte. Ouvimos aquela música na rádio, você sabe, Lost Stars. Você odiava Adam Levine e todo aquele lirismo barato e pessimista. Eu te disse que você era a tradução do lirismo pessimista, barato e cínico. Você sorriu de lado novamente e me pediu para nos embebedarmos com as nossas lágrimas. Perguntamos para Deus o motivo da juventude ser desperdiçada com os jovens. Nós cantamos tão alto e rimos tanto naquela noite a caminho de casa, que eu nem me importei quando você começou a fumar alguma coisa de café no meu carro.
               Você tinha essa habilidade de me levar para lugares distantes quando tudo desmoronava. Foi quando você foi me fazer uma surpresa na faculdade e pegamos o metrô às três da tarde. Era um dia ruim. Eu lembro que ouvimos música da estação central até o terminal da Ceilândia. Depois voltamos. Você não me fez nenhuma pergunta. Apenas ouvimos música e desabamos. Eu te disse que havia um complô contra mim e que eu certamente estava arruinada. Eu daria errado. Você sorriu de lado e disse que nós dois daríamos errado. E o seu pessimismo me fez rir. As vezes a gente está tão ferrado que não aguentamos as repetições e os clichês da autoajuda. Você saiu da psicóloga com essas receitas e encantamentos mágicos que não faziam sentido na nossa cabeça. Podíamos muito bem ter explodido o mundo naquele dia. Mas fomos para a sua casa e vimos o Clube dos cinco pela milésima vez naquela semana. Dormimos no tapete da sala. 
                Você tinha essa habilidade de entrar e sair quando te apetecesse. Você escalou a janela do meu quarto com alguns contos de Lovecraft no bolso. Subimos o telhado naquele dia. Ficamos deitados falando sobre os demônios da alma humana e em como não fazia sentido ser feliz. As estrelas não nos deram oi naquela noite, apesar da lua ter aparecido e você ter feito uma comparação tosca entre a lua de Shakespeare e a lua de Poe. Você ainda me encheu o saco com aquela baboseira de Sísifo feliz, mas eu não disse nada. Você tinha tantas ideias erradas sobre a vida, tinha mais perguntas que respostas e eu ainda me pergunto se eu não funciono assim também. Eu queria ter tido as suas respostas. Você sempre tinha as minhas (Por que as coisas são assim? "A vida é um puta entorpecente, Sarah"). Dividimos o Gummy que você fez naquela noite. Eu insisti que tinha gosto de chiclete. Você me chamou de alcoólatra louca com um sobressalto e insistiu que eu devia sair mais para beber com você.     
                   Você tinha essa habilidade de desaparecer. Ficou estranhamente bom nisso de uns tempos para cá (onde você está? "Eu juro que não sei, Sarah. Tá tudo confuso"). Eu queria ter te dado algumas respostas, mas ainda estava procurando as minhas. Você deixou de ligar alguns dias. Parou de invadir meu quarto. Não aparecia mais no gramado ou no céu sem estrelas. Eu deixei. Você precisava de um tempo talvez. Talvez você precisasse somente de alguns bons lirismos cínicos e baratos. Talvez mais um livro de Camus. Quem sabe? Talvez dali você tiraria suas respostas tão almejadas. Eu só não sabia que o que se passava na sua cabeça nas últimas quarenta e oito horas era um "por que não?" Não acredito que você ficou sem resposta para isso antes de mim. Você foi ficando transparente. Inalcançável. Invisível. Foi como o pequeno príncipe se deixando picar e tombando devagarinho como se tomba uma árvore. Eu queria ter te cativado direito. 


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