[Um Dia Dá Certo]

[Leia Ouvindo "Quando Bate Aquela Saudade" - Rubel]
["As vezes essa dor não sara nunca. As vezes sara amanhã"]

       Hoje eu acordei pensando em três coisas: no cheiro de café, nos ipês brancos que acabaram de se abrir e na paisagem que começou a ficar mais chuvosa. Faz sentido?
       Levantei da cama assim mesmo: meio Lázara, meio moribunda. Alguma coisa presa na garganta que eu não sabia bem sobre o que era. Deu vontade de me cobrir de novo com a minha coberta felpuda e não levantar pelos próximos quatro anos. Seria quando tudo mudaria de novo. Eu poderia cortar o cabelo, sair na rua dançando, fingir que não te conheço. Me parece ser uma ideia incrível. Eu poderia sentar no parque e ler algo de Anne Brontë. Ou poderia sair por aí sorrindo para estranhos com o cabelo desgrenhado e um olhar falso. Poderia simplesmente virar Amèlie Poulain e voltar a ser excêntrica. Poderia virar artista de rua e dançar de baixo da lua por uns trocados - ou por abraços, o que quer que me apetecesse. é que eu ando meio surtada, sabe? Meio fora do eixo, da órbita.       
        É que você entrou sem bater me descabelando e me tirando para dançar. Eu respondi com um sorriso. O amor sempre me bagunçou assim mesmo. Começou com um meio sorriso e um carinho de dedo. Foi para (des)encontros no metrô as quatro da tarde com beijos apressados de despedida. Evoluiu para tentativas de dominar o mundo no parque de águas claras. Lembra disso? Lemos Harry Potter e você odiou. Eu me perguntei como alguém em sã consciência odeia Harry Potter. Eu me lembrei do seu niilismo e pedi para você ler um trecho de Piquenique na estrada. Aceitamos nossa posição de formigas no nosso pequeno papel no universo. Você gargalhou quando eu citei seu autor preferido e me contou como a ironia o levou num acidente de carro. E foi assim: Entre palavras, beijos brincados e sonhos compartilhados que nos apaixonamos. O amor bateu na aorta. Não tínhamos absolutamente nada em comum. Veja bem, a sua excentricidade me encantou e vice versa. 
         A despedida foi mais difícil. Não consegui devolver seu livro de Camus. Você não me devolveu o meu da Virgínia Woolf. E ficou por isso mesmo. Não queríamos devolver mesmo. Significaria o fim de tudo. Acabou depois de beijos brincados no chão do metrô enquanto esperávamos o carro que me levaria embora. Acabou depois de algumas mensagens "oi". "Oi". "Fica bem". "Você também". O amor sacaneia. Mas eu não me importo. Sempre arreganhei as portas, as janelas e o peito para ele. 
         Inclusive, está começando de novo. Após longas noites mal dormidas e ideias erradas sobre a vida e pessimismos sobre paixões, o amor bate na aorta (de novo Drummond). Está começando de novo. E é sempre nesta estação. Quando as flores de ipê branco dão oi e as chuvas de outubro sorriem em um choro catastrófico. É quando eu levanto da cama, visto uma capa e pego um guarda-chuva. São os desamores batendo na porta com um frenesi, cantando canções de amigo sem eira nem beira. É época de resfriados, rinite e bombas. Brasília é o caos. Um cenário meio moribundo de bonito quando eu me atrevo a sair pela porta da frente correndo atrás de um café extra-forte. E quando eu pulo as poças de lama que a chuva pintou, eu me sinto uma brasiliense melhor. É época de epifanias, Duas mil expectativas e de mordidas brincadas, é época de ser Lázara. Morrer de amores e ressuscitar. É hora de andar pelos quatro cantos do mundo com uma música do Rainbown Kitten Surprise. É época de sorrir de tanto chorar. é época de Drummond, expectativas e frustrações. É época de se apaixonar. De novo. É época de amar. De novo. É quando eu chego no café e me deparo com alguém de costas largas, olhos coloridos e um sorriso torto que lê Pequenas Epifanias. É quando ele se apresenta e eu dou um meio sorriso. É quando eu penso que eu realmente deveria ter voltado para a cama e me enrolado com a coberta fofinha.  É, o amor vem me sacaneando de paixão em paixão. Um dia dá certo. 

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