[Entre Abismos]

[Leia ouvindo "Coming Home" - Kaiser Chiefs]
[Entre espasmos, vinho em copo de plástico e aquele cd velho do arcade fire, eu me perco no caminho de volta para dentro de mim. Deixe pra lá. Um dia eu me acho]
[Esse texto pode não fazer sentido]


              Eu não sei exatamente por onde eu ando. Eu sei que é noite e que o céu está tão estrelado e eu não sei exatamente como voltar, ou se eu quero voltar. Eu costumava saber os caminhos de volta, não costumava contemplar as estrelas assim, andando. Ah, antigamente eu contemplava as estrelas de barriga para cima pensando não sei no que, imaginando três mil futuros palpáveis. Se eu esticasse a mão, eu poderia tocar. 
             Era quando eu costumava entrar pela porta da frente e pular para o banco de trás, isso Nando Reis soube narrar bem e parecia que ele estava cantando sobre mim. Eu ainda me pergunto mil vezes por dia qual é meu lugar no mundo e me lembro que não tinha a resposta com dezessete anos. E é engraçado pensar que eu brincava de sonhar no banco de trás olhando para o nada e pensando nas milhas que faltavam para  chegar em casa. Fui crescendo assim, contando os segundos, os milímetros que faltavam para chegar no destino tal a tal horas. Fui crescendo assim, esperando o ano em que tal coisa aconteceria. Era de se esperar que eu estagnasse no tempo segurando um copo de qualquer coisa, acampada sob as estrelas. Era de se esperar que eu estivesse por aqui, com o coração asmático, com a alma vomitando ferro e pensando em mil tons de qualquer sonho. 
               Eu costumava saber bem onde meus pés deslizariam. Antes de entrar num salto alto, eu sabia bem me equilibrar entre o meio-fio e entre os caminhões que passavam furiosamente a mil por hora. Eu costumava andar direito sem uma meia calça fina e café na veia. Eu sabia me virar bem sem as próteses que me deram para o meu coração inválido andar. Eu costumava sair de casa sem saber como voltaria - ou se voltaria- e conseguia achar o caminho de volta dando passos largos, pegando o metrô e me cobrindo com um chapéu. Eu costumava sair sem rumo pelos quatro cantos do mundo, sem pensar num destino certo e acabar escorregando no extraordinário. Eu tinha esse sexto sentido. Quando se é mais jovem, e se tem o mundo inteiro na palma da mão, temos esse espírito meio bruxo, meio oráculo, que nos leva para o céu e para o inferno no mesmo instante. 
            Eu tinha esse fetiche em figuras fáusticas, misticas e infernais. Sabia fechar contratos e conseguia escorregar deles com a maior facilidade. Era fácil fugir do diabo e deixá-lo sem graça. Quando crescemos, ficamos a mercê de Mefistófeles, nos deixando picar por serpentes e rastejando entre as traças. Vendemos nossa alma, magoamos certas margaridas por jardins afora. Enterramos bebês, assaltamos prisões, criamos um mundo novo e nos perdemos dentro dele. Simples assim. 
              Acho que é essa a plena sensação de se sentir vazia, de querer sair por aí fugida no meio da noite para fazer-sei-lá-o-que, sei-lá-aonde e não saber como exatamente voltar. É nessas horas que eu me lembro da Anne Sexton e de como ela saiu de casa para pintar estrelas e se perder por aí. Fico me perguntando se não fiz a mesma coisa e acabou que eu não quis voltar, quem sabe? 

"A noite se move. Estão todas vivas.
Até mesmo a lua, inchada em grilhões alaranjados
para, como um deus, expelir crianças de seu olho.
A velha serpente invisível devora as estrelas.
Oh noite noite estrelada! É assim
que quero morrer"
                    
                       

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