[Chuvas em outubro]

[Leia ouvindo "Mad World" - Gary Jules]
[Vamos enlouquecer juntos]

        Estou no entorno. O ar frio congela a ponta do nariz o deixando frio, da mesma forma que ele ficava quando você beijava a ponta dele. Irônico, não? Os ipês brancos estão por aí, as árvores estão descabeladas, a chuva não para e ver o caos pela janela do ônibus enquanto estou indo e vindo parece ser uma saída feliz. Me parece surreal como as poças de água pela rua me levam para alguns anos atrás. Aquela época que eu tinha certeza que não daria certo. Era só mais um dia triste, eu me consolava. Eu assistia clube dos cinco pela milésima vez e falava para mim mesma que estávamos fadados a não desfechos, a não finais. E isso me parecia tão triste.
          Era quando eu abria meu guarda-chuva vermelho e pegava no seu braço. Desviávamos dos carros que cismavam em jogar água nos pedestres. E não sabíamos se deixávamos a água nos molhar por cima ou pelos lados. Ou se fechássemos logo o guarda-chuva e brincávamos de ser feliz como fazíamos quando tínhamos oito anos e a chuva era o chamariz para a diversão. Completávamos as bagunças com baloes de água. Me parece tão distante agora, ser feliz, sabe. Tirávamos nossos tênis e não pensávamos nas doenças que poderíamos pegar. O que viesse era lucro. Se nos deixasse de cama então, melhor ainda.
            E realmente ficamos de cama, apesar de você ter me emprestado seu moletom e me levado em casa. O nariz congelado. A garganta arranhando. Os pés frios, mesmo que eu estivesse de meias. Assistimos a juventude transviada e imaginamos um futuro sem a gente. E pareceu tão divertido. Éramos tão jovens e já tão sem esperança, mas com um milhão de planos para uma vida vazia. E quando sonhávamos que estávamos morrendo, parecia um alívio. Brincávamos disso, algo do tipo Dumb ways to die e nunca rimos tanto. Mas também ficávamos ridiculamente melancólicos quando falávamos da faculdade e do futuro emprego dos sonhos e de como teríamos uma família ridícula e um cachorro pequeno e um umidificador: O maldito ciclo de vida do brasiliense. E era quando a gente planejava rotas de fuga. Iriamos para a Índia, não, para a Europa, não, para o Canadá, não, para o México. Dormiriamos em albergues e riríamos disso. Tomaríamos vinho debaixo da torre eiffel e dormiríamos vendo as estrelas. Você leria uma coca cola com você e iriamos ficar enjoados na travessia de Gracia e Barcelona; e você pareceria lindo numa camisa laranja.
              Eu não sei porque estou melancólica assim. Talvez porque acabamos dando certo na vida e acabamos não fugindo para lugar nenhum. Talvez porque você já tenha um umidificador, um cachorro pequeno e feio, crianças estupidamente bonitas e inteligentes, com uma esposa adorável e um emprego estável. E eu sei que você parou de dançar na chuva e de emprestar o seu moletom para moças friorentas e com rinite. Exceto talvez a sua filha, que é tão pequena e friorenta e que você não se importa de colocar na cama quando ela acaba adormecendo no sofá enquanto assiste Up - Altas aventuras porque você a ensinou a amar os filmes antigos da pixar. Talvez porque você ainda escuta aquele indie triste ou aquele rock dos anos 80 enquanto pensa em fumar um cigarro escondido, isso porque você parou de fumar já faz muitos anos. E talvez porque eu esteja em alguns poucos livros seus e em algumas fotos antigas que você não vê já faz um bom tempo. Talvez porque você nunca tenha contado nenhuma história nossa, apesar de você ter sido tema das minhas mais variadas poesias, afinal, como éramos divertidos, meu bem.
              Enquanto a mim, eu estou com o nariz congelado como quando você beijava a ponta dele. Irônica, não? Eu estou no entorno.
             

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