[LIMBO]

[Leia ouvindo: "A Paz Do Fim - Ana Larousse"]



                 Estou deitada no chão da sala encarando o teto. As minhas costas em contato com o chão frio me lembram que esse corpo ainda é o meu corpo. A minha respiração pausada me lembra que eu ainda estou viva mesmo que inerte. Mas a minha cabeça flutuando para lugares distantes faz com que eu me esqueça de que estou aqui e agora. Presa num limbo. Minha cabeça me leva de volta para você. Com aquele seu sorriso besta e radiante. Os cabelos dourados e os cílios quase que invisíveis. Os olhos me implorando para ficar, cheios de desolação, caos e amor. Meu bem, eu realmente queria ter ficado.
                  Estávamos no metrô naquele dia. Eu estava com o seu livro do Lovecraft e você estava com o meu da Sylvia Plath. Você levava minha bandana estampada, meu disco dos beatles e todos os sonhos que eu te emprestei. Eu te devolvia sua palheta, sua camiseta e algumas ideias que você colocou na minha cabeça. Era uma despedida. Você iria direto para a sua estação em um vagão diferente do meu, mas ainda estaríamos no mesmo metrô, eu com o seu gosto amargo e você com o meu cheiro enjoativamente doce.
                  Estávamos num jantar de família. Você me apressando para ir embora e eu te implorando para ficarmos por mais dez minutinhos. A nossa briga no carro e em como você pisou no acelerador. Como eu te chamei de louco e gritei contigo. Depois de duas horas estávamos fazendo as pazes na porta da frente. Mas quando eu te beijei de baixo da luz fraquinha daquela lua murcha, você não me beijou de volta.
                  Estávamos naquele parque que você tanto gostava, sua cabeça pendurada no meu colo enquanto minha mão procurava caminho pelos seus cabelos despenteados. Eu lia poemas de Drummond e você cochilava despreocupadamente. Era engraçado como eu sempre prestava atenção nas suas palavras, bebia suas teorias sobre o mundo e as pessoas, ria de suas piadas e te dava exatamente a atenção que você exigia. Quando eu ia te contar sobre o meu dia, você me lançava um sorriso bobo e me beijava. Não acho que você tenha ouvido muitas palavras que eu derramei cuidadosamente sobre você.
                  Estávamos no nosso primeiro encontro exatamente naquele metrô. Rindo despreocupadamente do mundo ao nosso redor e de nós mesmos. Você está tentando correr dos seus próprios pés. E eu dou risada disso em parte porque eu estou bêbada e em parte porque não faz sentido fugir de você mesmo; foi nesse momento que eu soube que não conseguiria fugir de você tampouco. Ainda mais quando você recitou Frank O'Hara e citou Dostoievsky tão perfeitamente. Você não mentiu para mim quando disse que era dissimulado e confuso. Mas naquela noite, quando a lua estava mais branca do que eu posso me lembrar, eu pensei que talvez me afogar em confusões e dissimulação não era lá má ideia. Nossos corpo dançaram nas luzes fracas do metrô. Seu gosto ficou em mim pela primeira vez.
                   Estávamos naquela roda de conversas. O cara interessante que tinha uma visão extremamente pessimista da vida e amava dar opiniões muito bem formadas. A mulher otimista, mas extremamente triste que exigia atenção - Quando você tirou essa exigência de mim? Troca de olhares, telefones, uma dança, alguns risos, "Oi, qual o seu nome?"
                   Estou deitada no chão da sala encarando o teto. As minhas costas em contato com o chão frio me lembram que esse corpo ainda é o meu corpo. A minha respiração pausada me lembra que eu ainda estou viva mesmo que inerte. Mas a minha cabeça flutuando para lugares distantes faz com que eu me esqueça de que estou aqui e agora. Presa num limbo. Minha cabeça da voltas e me leva de volta para você. Queria que alguém fosse capaz de me responder: Por que diabos é tão difícil ir embora?

Comentários

  1. Te sigo no twitter. Foi através dele que encontrei seu blog (pq apareceu um tuíte seu e fiquei curioso em saber quem era aquela morena bonita em minha TL. Pois bem... Parabéns. Li até aqui seu blog, e gostei muito de sua sensibilidade em expôr algumas situações. Não vou poder ler o restante todo agora, mas com certeza irei voltar e ler o restante, pq te enxergar aqui, pelo o que escreve, é bem interessante.

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  2. Você não faz ideia do quanto significa para mim ler isso!
    De verdade!
    Muito obrigada <3

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