[Amadurecimento]

[Leia ouvindo "Say Yes" - Elliot Smith]
["Viver todos os dias é maravilhoso e não deixa de ser horrível" - Pedro Chagas Freitas]
[E somos tão arredios neste faz de conta que insistimos em montar, que levantamos da cama todos os dias sozinhos com mentiras convenientes que teimamos em dizer para que levantemos a bunda da cama todos os dias. Tomamos café e comemos individualismo para fingir que está bem: uma mordida de cada vez. Acho que foi exatamente por isso que Wendy considerou 37 vezes ficar na Terra do Nunca com a cabeça no céu, o coração em chamas e o mundo inteiro na palma da mão]



Meghan Howland




                 Ás vezes, antes de dormir, eu penso em três coisas boas: Queen, metade da minha infância e em você. Quando eu penso nessa ordem, eu não consigo mais dormir. Eu me lembro da criança que fomos e dos castelos que conquistamos e em como éramos capazes de fazer amizade com duas ou três palavras e um aperto de mão. Era época de caçar fadas e reunir exércitos. Podíamos ser bruxas e vilãs e piratas. E eu lembro que nos enfiávamos em biquínis e tomávamos picolés de groselha até ficarmos com a língua vermelha e com os lábios roxos de frio. Pegamos piolhos juntos e catapora e ralamos o joelho e não conseguimos criar nenhum amigo imaginário, mas saíamos para jogar bola. Entrávamos em casa com lama nos pés e comíamos bolo quente e brigadeiro de panela e não nos importávamos com a dor de barriga, afinal, era um preço pequeno a se pagar e uma preocupação secundária. Acredito que foi aí que criamos estômago forte e tolerância ao açúcar, mas infelizmente não aprendemos a lidar com o acordar às cinco e meia e nem com os boletos para pagar.
                 Às vezes, antes de dormir, eu penso em cinco desastres: cortes de cabelo, primeiros beijos, festas, skol beats e paixões. Eu lembro dos cortes horríveis que fizemos na oitava série e a vez em que beijamos alguém só para saber que gosto seria. A primeira ressaca, quando o nosso coração pulou pela boca e pensou nas possíveis surras que levaríamos. A festa de formatura que fomos mesmo odiando nossa roupa e odiando a maioria das fotos que não apagamos, mesmo assim; e o nosso amigo estava vomitando o que havia bebido no banheiro enquanto a namorada dele girava embaixo do globo de luz. A primeira vez em que o coração fez espacates e deu socos no estômago quando conhecemos o amor e ele partiu e o reconhecemos de novo e nos despedimos de novo e de novo e de novo.
               Às vezes, antes de dormir, eu me preocupo com mil coisas: Começo a pensar se abasteci o carro, se alimentei o gato, se tranquei a porta e termino pensando na minha chefe e nas contas que faltam chegar e se eu vou rever aqueles meus amigos de doze ou treze anos atrás naquele bar que fica na Norte. E eu sempre achei que os adultos soubessem exatamente o que estavam fazendo até perceber que todos os adultos são amadores e estão perdidos nesse lance de ser adulto. Eu lembro que eu carregava o mundo com a palma da mão quando tinha seis ou sete anos, e hoje meus braços me parecem pequenos demais. Acho que comecei a ser gauche na vida e não sei se isso é algo bom quando meus lábios não soltam nem meio verso inteiro sem estar frouxo. Acho que ser adulto é isso: Não saber articular bons versos mesmo tendo a ânsia análoga a ânsia.
               
               
              

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