[Todas As Pessoas São Um Grande Talvez]

[Leia ouvindo "Cigarettes Daydreams" - Cage The Elephant]
[Não deve fazer sentido para você como faz para mim]


         Hoje eu descobri um dos melhores lugares do mundo para se fumar. E é no dècimo andar no apartamento que tem o filtro dos sonhos pendurado no umbral da porta, na varanda que dá de frente para a rua. É bom ver a fumaça se misturando gradativamente com os tons azul, roxo, laranja que teimam em invadir o céu. Alana, a dona do apartamento, me disse que a fumaça se perde e vira oração - não para Deus. Alana acredita em três coisas: cosmo, almas perdidas e caos. Engraçado como tudo isso parece ligado ao substrato dela. 
        Alana foi o cosmo roubando a cena hoje me parando num café só para conversar sobre a posição dos astros e como o acaso nos trouxe para o aqui e agora. Ela foi a reunião de todas as almas perdidas quando ela desassossegou, chorou, implodiu, sorriu, dançou. Ela foi o caos quando virou uma garrafa de sei-lá-o-que e brindou a nós no apartamento dela enquanto rodopiou na mesa. 
         A gente traga, reza, olha para o céu. Ela lê poesia. Eu escuto e observo enquanto as pessoas passam. Eu vou criando presente, passado e futuro para quem eu vejo. A senhora que usa blusa vermelha e o cabelo penteado para trás ama o marido, mas não tanto quanto ama o amante (eu e Alana chegamos a conclusão hoje que o casamento é uma instituição falida). Infelizmente o marido e o amante se envolveram no mesmo acidente de carro. O nível cármico dela levou os dois. Sem saber por quem chorar, as lágrimas entranharam nela e a intoxicaram Hoje ela é uma alcoólatra desalmada. Pobre Vera. 
          Eu me perco calado. Alana interrompe o silêncio para dizer que a tal da Vera nunca mais vai aparecer porque naquela noite ela vai cometer suicídio numa tentativa vã de deixar de ser alcoólatra e desalmada. Eu digo que Vera não vai aparecer mais porque vai fugir com o instrutor de yôga para o Tibete. 
            Alana me olha caótica dando uma última tragada. Ela iria se levantar, jogar a bituca no cinzeiro e trazer fini. Comeríamos com ela apoiada no meu ombro. Escureceria. Ficaria tarde enquanto jogávamos conversa fora. Eu ia dormir no sofá. Alana se levanta e trás um saco de batatinhas e comemos com ela apoiada no meu ombro. Ela me pergunta de cinco em cinco minutos se o meu braço está doendo e se eu quero mudar de posição. Escureceu. Continuamos jogando conversa fora. Mais um cigarro. E outro. E mais um. Ela sorri. Nos beijamos de leve. Borboletas suaves dançando nos lábios um do outro. 
                  Ela deve ter sido uma criança feliz com olhos de m&m e com medo de fantasmas. Talvez um dia os fantasmas tenham feito buracos nela e se entranhado por lá mesmo. Talvez ela tenha se acostumado a se apegar em estranhos, levá-los a seu apartamento e ler poesia. Criar finais trágicos para pessoas que passam tentando não criar para ela mesmo. (O que aconteceu com você, meu bem?)
                   Talvez um dia Alana acorde pensando em fumar seu último cigarro. Talvez ela arranje um emprego descente, termine a faculdade e acabe se casando com um homem que a leve eventualmente na missa de domingo. Talvez ela tenha estúpidos filhos brilhantes que herdem sua personalidade caótica e brilhante. Talvez o bom gosto por poesia. Talvez ela me beije agora e a gente se perca um no outro de novo. Talvez a gente se apaixone e acabe dominando o mundo pois somos tão miseráveis e tão tristes que talvez consigamos dar certo. Talvez ela me peça para ir embora e tranque para sempre meu novo lugar preferido de fumar e minha nova companhia preferida de fumar. Talvez eu nunca mais a veja. Me assusta pensar que talvez, um dia desses, quando ninguém estiver olhando, Alana abra devagarinho a varanda e ameace voar. Talvez eu vá junto. Talvez Alana dê certo. Talvez eu dê certo. 
[Eu estou meio bêbado e acabei de fumar com uma mulher linda do meu lado. Vá me desculpando o jeito. Ainda estou meio anestesiado]

Comentários

  1. Um blog, chocado, você fica cada vez mais deslumbrante, inclusive muito bom ler as coisas daqui, meus parabéns, você é phoda, continue, sério, gostei da tua escrita!

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