[Expectativas]

[Leia ouvindo "7 Years" - Lukas Graham]
[Esse texto fala sobre uma moça que idealizou demais as relações humanas e foi frustrada. Não se preocupe. Ela já está bem melhor.]

["É nas pequenas coisas que o vemos.
O primeiro passo da criança,
tão incrível como um terremoto.
A primeira vez que você andou de bicicleta,
desequilibrando-se pela calçada.
A primeira surra, quando seu coração
saiu sozinho em viagem.
Quando o chamaram de bebê chorão
ou pobre ou gordo ou maluco,
e o tornaram um completo estranho,
você bebeu aquele ácido
e o ocultou." - Anne Sexton]

          Aos sete anos de idade eu já tinha tudo resolvido. Eu teria umas melhor amiga de cabelos brilhantes que dormiria na minha casa todo final de semana. Era o ano em que eu finalmente tiraria as rodinhas da minha bicicleta e seria como nos filmes: eu sairia pedalando mundo afora sem me desequilibrar nenhuma vez. Eu iria sorrir com o coração e caçar borboletas. Iria carregar sonhos na peneira e dominar o mundo. Não ter os dentes da frente e um cabelo escorrido não parecia ser tão ruim assim quando se carregava tantos sonhos na palma da mão como eu fazia.
              Aos doze anos de idade eu já tinha tudo resolvido. Não arranjei a tal da melhor amiga porque uma garota de cabelo curto e óculos sentou na minha frente e me ofereceu sua simpatia e lealdade ao invés da tal amizade eterna. Achei justo. Era o ano em que eu começaria a usar óculos e a ouvir músicas estranhas. Foi quando eu escrevi meu primeiro poema e recebi um olhar estranho da minha professora. Foi quando eu decidi que me apaixonaria por um cara que soubesse dos beatles e lesse todos os meus livros preferidos e que de alguma forma sorrisse com os olhos e me ajudasse a carregar todos os meus sonhos. Eu iria fazer novos amigos. Não iria me isolar e ficar sem falar com ninguém. Eu cumprimentaria as pessoas, ajudaria minha mãe em casa e iria as cultos de domingo. A minha vida tinha tudo para melhorar. Usar óculos de lentes grossas, ficar lendo no intervalo das aulas enquanto sorria sozinha não parecia ser tão ruim assim quando se carregava tantas expectativas na palma da mão como eu fazia. 
            Aos dezessete anos de idade eu já tinha tudo resolvido. Eu entraria na faculdade. Eu ia fazer medicina, não, direito, não, engenharia, não, administração, não. Eu não sabia o que eu faria exatamente. Mas eu entraria na faculdade. Não me apaixonei por um cara de sorriso brilhante e costas largas. O tal cara não conhecia Eleanor Rigby e não fazia o menor esforço para acompanhar meus improvisos emocionais, mas tinha um bom abraço e um coração confortável. Foi o ano que os amigos não couberam na palma da minha mão e tiveram que partir - cada um atrás da sua boa sorte. Foi o ano em que eu comecei a tomar pilulas brilhantes que faziam meu choro rarear e ajudavam a minha poesia a ganhar clareza. Foi quando meus livros mais infantis começaram a fazer sentido na minha cabeça de pedante-dona-do-mundo. Eu iria alcançar coisas novas. Eu iria sorrir e acenar com o peito aberto para quem quiser entrar, entrar. Tomar pilulas de felicidade e chorar de vez em quando não parecia tão ruim quando se fazia tantos planos como eu fazia. 
             Aos vinte e dois anos de idade eu já tinha tudo resolvido. Eu iria começar num emprego novo. Eu subiria montanhas e apagaria o numero dele do meu celular. Eu pararia de fumar. Eu voltaria a dançar e abriria minha alma em espacate para quem merecesse ficar - o que, cá entre nós, seria difícil de fazer. Eu poderia escrever um livro, não, poderia fazer uma outra faculdade, não, poderia ser professora, trabalhar como secretária, não, talvez eu devesse fugir com o circo ou voltar a caçar fadas. Foi o ano em que eu parei de tomar as pilulas brilhantes e comecei a tomar café sem açúcar. Foi o ano em que as possibilidades escorriam pelos meus dedos e eu não podia recolhê-las no chão. Foi o ano em que os amigos sumiram e eu tive que recomeçar. Talvez eu comprasse um carro. Talvez eu me mudasse e adotasse um cachorro ou um gato. Talvez eu pudesse sorrir para os meus vizinhos. Talvez o amor batesse em minha aorta de novo e dessa vez eu deixasse ele entrar e ficar para sempre. Talvez. Talvez. Talvez. Fumar e fazer promessas para o vento não parecia tão ruim quando se tinha só incertezas no bolso. 
                   Aos trinta anos, eu já tenho tudo resolvido. Não se preocupe.  

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