[Eu Tinha Que Me Despedir]

[É o último texto que escrevo para você]
[Leia ouvindo o que bem entender]

      Você entrou suave. Bateu na porta algumas vezes e esperou eu abrir. Você sorriu para mim e me girou na entrada. Eu escrevi sobre isso. Escrevi sobre como éramos opostos e como você era meu melhor amigo. Sobre como você tinha gosto de sorvete e de tardes ensolaradas regadas a poesia e a cafuné. Escrevi sobre como você me fazia sair da cama para fazer-qualquer-coisa-afinal-o-dia-está-lindo-lá-fora. Escrevi sobre como era divertido deitar nos seus braços e me sentir protegida. Era bom ter com quem rir e brigar e se embolar. Eu tinha que me despedir. 
        Você sentou no sofá e mudou alguns quadros de lugar. Me ajudou a redecorar. Pintamos paredes, trocamos as lâmpadas e você tentou me ensinar a ser menos intensa - Não aprendi. Você cozinhou e assou brownies com gosto de torpor. Era a sensação que você produzia em mim quase sempre. Você me esquentou quando ficou frio demais e fez questão de tirar cada lágrima da minha cara. Colocou um sorriso reluzente no lugar. Me rodopiou nos cantos escuros em que eu não me atrevia entrar. Me colocou para dançar e cantou baixinho as minhas músicas preferidas. Eu continuei a te escrever. Fiz mil poesias sobre nós. Não só sobre nós, mas sobre os nossos nós. As nossas imperfeições. Os nossos medos. Os nossos erros. A nossa bagagem e toda aquela baboseira que falam sobre casal. Sua mão chegou no meu coração antes de chegar na minha cintura. Ela tentou desvendar os mistérios da minha massa cinzenta e acabou caindo nas graças das minhas curvas. E eu fiz três crônicas sobre isso. Sobre como você parecia se encaixar perfeitamente nos meus cantos - mesmo que fossemos tão opostos, como água e óleo. Eu tinha que te decantar.
          Você fez a vida ganhar um tom mais aquarela. Você me fez me descobrir e talvez por isso tenha doído tanto quando você saiu pela porta da frente num desses dias ensolarados e saiu rodopiando e batendo as pernas pela rua. Foi divertido brincar de amar contigo. Foi divertido perder meu corpo no seu e te contradizer em tudo que você falava. Foi divertido criar mil teorias e dominar mundos segurando a sua mão e fazendo carinhos de dedo. Eu tinha que te deixar partir e por isso eu arreganhei a porta e abri espaço para você ir. Escrevi contos sobre corações partidos e primeiro amor. Falei sobre culpabilidade, ledos enganos, responsabilidade e amores frustrados. Escrevi sobre se apaixonar lenta e gradativamente às três da tarde deitada nos degraus do pátio. Falei sobre a rapidez da vida e verossimilhança daqueles clichês. Foi divertido, meu bem. Obrigada.
          
        

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