...Conhece o amor que vira arte?

                 Ela sempre foi atípica, eu era totalmente normal. Ela se pintava inteira quando ia pintar um quadro. E ela se recusava a ir lavar a tinta, pelo contrário: Corria atrás de mim pela casa tentando me sujar. Acabava que eu me dava por vencido e a deixava pintar a mão dela no meu rosto e no carpete.
                  Ela fazia chilique quando eu a acordava cedo por causa de algum compromisso. ela puxava o cobertor e dizia: "O imbecil de terno aqui é você, acorda cedo sozinho". Claro que eu me vingava, fazia cosquinha até ela se levantar. Tomávamos juntos o café. Eu mexia os ovos e ela fazia um café bem forte. "óbvio que para aturar todas aquelas chatices do trabalho você precisa de um café de verdade e não aquela água cor de pincel sujo que você faz", Ela dizia. Mas ela não sabia fazer nada além de café. vivíamos de fast food.
                   Ela era um furacão, era dualidade, epifania, com ela tudo era sempre uma surpresa. Eu não sabia o que acharia quando chegasse em casa. Certa vez foi um cachorro de rua no sofá. "Ele me seguiu", explicou com a voz infantil. Outras vezes ela estava deitada no carpete chorando, "Eu sou extremamente infeliz." (Nunca entendi bem o porquê). E certo dia ela estava pintando a estante de azul. "Aquele marrom não te deprime?"
                    Quando terminamos a primeira vez, gritamos um com o outro por duas horas. Depois ela virou as costas se deitou no sofá e disse: "Vou dormir um pouco. Você pode pedir uma pizza e me acordar daqui a duas horas?"
                    "Você é louca?" Eu perguntei meio pasmo. Ela sorriu com os olhos e disse se aconchegando no sofá: "É o preço a se pagar. Quando se é artista, a excentricidade acompanha". Voltamos a namorar duas horas e meia depois. "Sono e fome me deixam de mau humor. Me desculpa por tudo que eu disse. Eu estava possuída pela fome e pelo sono. Aqueles malditos!"
                      Mas eu não consegui acompanhar. Marina Abramovic merece um Ulay. E mesmo aqueles dois espíritos não conseguiram ficar juntos. Eu não tinha a menor chance. Terminamos depois de cinco anos. Ela foi viajar o mundo. Eu me sentei no meu escritório e dei uma escapadela dos relatórios para praticar uma das coisas mais importantes que ela me ensinou: Transformá-la em poesia.
                     

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