[Tempo de ipê]

 

[Leia ouvindo "Lavínia" - Lucas Guido]

["Você não está bem hoje, né, doidinha?"]

["O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdoo por todas as lutas que a vida venceu por pontos, e me esqueço completamente que gente como eu, no fim, acaba saindo mais cedo de bares, de brigas e de amores para não pagar a conta." - Eu Receberia As Piores Notícias Dos Seus Lindos Lábios]


 
(Amy Judd)

    Era a época em que os ipês roxos floriam e nunca chovia. Estava sempre ensolarado e torcíamos para não nos verem emaranhados um no outro debaixo dos ipês. As flores roxas caíam nos nossos cabelos e nos coroavam como donos do mundo. Você era leve. De palavras, risos e beijos fáceis. Sua leveza ocultou o meu fel e me bebeu como um vinho doce. 
    Era a época em que meu cabelo estava mais curto do que o seu e as pessoas nos diziam que éramos parecidos. E foi por isso que aceitamos um lar temporário um no outro. Éramos um reflexo dos nossos piores defeitos e melhores qualidades. Gostávamos de nos olhar e nos encontrar nas íris castanhas um do outro. 
    Era a época em que fizemos apostas. Você parou de beber por um tempo e eu comecei. Te mandei mensagem bêbada, chorando e você sorriu e me disse para não beber nos dias ruins ao menos que quisesse chorar. "As emoções não passam, bebê. Elas pioram com o gosto do álcool". Você me ofereceu seu ombro e brigou comigo por não dizer o que estava de errado em mim e me deixou chorar a noite toda. 
    Era a época em que você se alistou. Foi embora de mim. deixou sua camisa e seu cheiro. Me ligava uma vez por mês para checar se eu estava viva, em parte pelas minhas ideações suicidas, em parte porque nosso amigo se enforcou naquela árvore perto do ipê roxo que a gente amava. E você me ouviu chorar de novo. 
    Era a época de recomeços. Eu me formei. Comecei a trabalhar. Você voltou a estudar e foi morar sozinho. Me mandou algumas cartas de rotina, checagens bem espaçadas. "Gosto de te ver vivendo", você disse numa delas. E eu sorri porque gostava de te ver assim também. Nossos amigos foram procurar emprego, ou sair em viagem, ou formar família, ou trancar a faculdade, ou foram começar tudo do zero. Não víamos ninguém, senão por fotos. Meu cabelo cresceu. O seu encurtou. Fizemos tatuagens e ainda assim nos tornamos perfeitos opostos equivalentes.
    E chegou a época de novos amores. Eles floresceram e desabrocharam em uma nova cor de ipê, como aquela muda de ipê roxo que levei para casa sem ter onde plantar. Mas os amores são assim: florescem de acordo com a estação, em várias cores. Vez por outra eles voltam a florir. Na verdade, eles sempre voltam a florir. E, particularmente, roxo sempre foi a minha cor preferida. 



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