[Insidiosa]

[Leia ouvindo "Brooklyn Baby" - Lana del Rey]

(Meghan Howland)

[“… onde quer que eu estivesse – fosse o convés de um navio, um café parisiense ou Bangcoc -, estaria sempre sob a mesma redoma de vidro, sendo lentamente cozida em meu próprio ar viciado.” - Sylvia plath]

    As vezes, antes de dormir, eu conto duas mentiras e uma verdade para mim mesma. É a forma que encontro de manter um problema real na linha: utilizando dois contrapontos mentirosos. Duas questões que a ansiedade me ajudou a criar, e que, talvez, não tenham tanta importância. É um jogo que ainda não decidi se vale a pena jogar, mas eu jogo mesmo assim.

    Daí, eu levanto da cama, arrastando os pés descalços porque ainda não consegui dormir. Tomo um comprimido e bebo um gole de vinho - não da garrafa, eu não sou um pirata, apesar de as vezes querer ser um. Navegaria sem rumo; beijaria sereias; saquearia cidades; encontraria tesouros; me perderia por aí. Nunca mais voltaria ou escreveria cartas. Seria só lembrança. História de dormir para garotas corajosas.

    Eu volto para a cama e espirro três vezes, porque o chão está gelado e meu corpo sofreu um choque térmico pelo meu pé descalço. Eu soluço. Uma, duas, três vezes de novo. Tateio a cama, não em busca de alguém, ou de algo específico. Busco sensações e textura. Sinto os lençóis, o cheiro de amaciante embolado com o meu sabonete. Penso em como deve ser meu cheiro e meu toque a dedos estranhos. Os quatro calos que tenho na mão. O calo sutil do indicador direito que denuncia o quanto escrevo. As unhas curtas. O cabelo fino. Os seios pequenos e os quadris largos. Penso no meu gosto, na maciez dos lábios. No timbre da minha voz aos ouvidos de terceiros, se é grave ou aguda. Se falo rápido ou devagar. Se tropeço nas sentenças e se dou risada alto demais. Me perco em mim. 

    Não consigo dormir e coloco uma música para tocar de alguma playlist de indie. Retorno às melodias repetitivas e insidiosas; elas falam do amor e da dor e sobre amadurecer, mas não me dão respostas. Cantarolo com elas e o tempo vai se arrastando em looping. Durmo de frente para a janela para ser acordada pelo sol e eu arrisco abrir os olhos para a lua. Penso em ler um livro, penso se cochilei entre uma música ou outra, penso nos meus bocejos e no cansaço. É só dormir, sua boba. 

    As vezes, antes de dormir, eu me conto duas mentiras e uma verdade. O amor vai bem; nada está doendo; você vai desaparecer. Crio longos debates sobre os assuntos até me cansar e achar uma resposta satisfatória para as minhas questões. As vezes ela chega e eu me levanto para buscar um copo de água. Mas nos dias melhores, o sono chega antes e me leva para um mundo encantador regado a vinhos e pirataria. 

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