[Anel de fadas]

[Esse texto veio de uma toca junto do coelho branco]

[Leia ouvindo "My Favorite Things" - Julie Andrews]

(Laurie Lee Broom)

    Eu fui uma criança que se apegava a imaginação. Gostava de viver em um mundo de fantasias e promessas. Gostava de caçar fadas e enaltecer bruxas. Procurava sinais em qualquer ação despropositada. Eu acreditava em anéis de fada. Procurei por vários durante toda minha infância em parques, corria pelo mato procurando rodas de fungos ou botões de rosa ao redor das árvores, esperando por, segundo a lenda, uma dança exuberante de fadas. Vivi de esperanças e contos. Sonhava em ser rainha do meu próprio reino. Trançava meu cabelo com sonhos e promessas. Nenhuma torre parecia alta demais para subir, nenhum buraco ou barranco parecia fundo demais para escorregar. Eu aceitava todos com um sorriso no rosto até os sonhos se afunilarem. 

    Era preciso sonhar sonhos mais reais, mais palpáveis. Ser advogada ou médica ou concursada aos vinte e pouco. Casar, ter filhos e formar uma família antes dos trinta. Ter a rota pronta e terminar de financiar o restante dos sonhos. Demorou, até a minha cabeça se acostumar com sonhos reais e expectativas. As horas de estudos gastos, as palestras motivacionais e os discursos zumbindo-zumbindo no meu ouvido. As dicas de como ser uma boa garota, fechar as pernas e aprender a ser uma boa esposa. Sylvia Plath me sussurrava de canto, numa voz quase inaudível: "Odeio a ideia de ficar sob a tutela de um homem. Um homem não tem preocupação nenhuma no mundo, enquanto a possibilidade de ter um bebê paira na minha cabeça como uma espada, me fazendo andar na linha". Eu aposto que ela costumava a sonhar com anéis de fada também. Subitamente, depois da idade promissora e de depois de sentir a data de validade pairando em minha testa; esses sonhos pareceram longe demais. 

    Parei de confiar nos sonhos. Nos planejamentos. Nenhum príncipe é forte o suficiente para te levantar, sua boba. Vesti minha armadura. Comecei a acreditar só em mim para me resgatar. Deus fala que o homem não pode confiar na força do seu próprio braço. Mas é com ele que eu sinto, toco e agarro as coisas ao meu alcance. Penso se Deus não disse isso para que não nos espetemos em rocas de fiar como Aurora. Mas não acho Deus cruel a ponto de nos poupar da dor e da esperança de ser acordada. 

     Não vivo mais de planos ou de previsões de chuva. Saio de casa sem casaco e sem galochas e me ensopo quando o tempo vira. Não vivo de planejamentos e plano familiar. Faço apostas e danço de bar em bar. Não acredito em promessas ou em palavras. Juras de amor não me comovem por mais de um minuto inteiro, por mais que faísquem meus olhos. Gosto das coisas certas. Escritas a caneta em ações concretas. Gosto dos que trazem a mala e se instalam sem perspectiva de ida e sem ameaças de ficar. Gosto do tudo ou nada. O agora. A ação presente. O toque sincero. A percepção sinestésica da existência como um café. Escuto a cafeteira apitar, vejo a cor preta, sinto o cheiro forte, bebo do amargo, queimo a língua. É assim que se sabe do rol das coisas verossímeis. 

    Acho que quando a gente cresce, e fica sem tempo, não consegue mais esperar as fadas dançantes darem o ar da graça. E meu prazo de validade está chegando. 

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