[Estação, estação]

[Leia ouvindo "Ask me anything" - The Strokes]

 ["A mente é seu próprio lugar e em si mesma
Pode fazer um Céu do Inferno, um Inferno do Céu.
Que importa onde, se serei sempre o mesmo
Aqui ao menos seremos livres...
podemos reinar com segurança; e, a meu ver,
Reinar é uma boa ambição, embora no Inferno:
Melhor reinar no Inferno que servir no Céu."
"John Milton"]



    Eu gosto da estação de metrô. É perto do lugar onde marco os meus encontros. Tem aquela vista bonita e comum que nunca desaponta. O sol e o céu alaranjados desbotam todo o resto e fazem com que eu siga minha vida sendo absolutamente mediana. Eu passo desapercebida por pequenos milagres e por grandes agentes do caos. Vivo uma vida inteira comedida, sem chorar demais, sem sorrir demais. Uma existência medíocre e dissimulada para combinar com a paisagem. Eu me disfarço de laranja para confundir todos os deuses. Sigo beijando, bebendo, andando em passos pequenos fora da vista, desinteressada, desapercebida. Vivo como mais um rosto na estação. Minha aparência mediana me ajuda. A máscara, que cobre meu nariz e minha boca, também. Silencio meu coração com engrenagens mais simples, ele bate fraco e eu uso minha voz e meu fôlego só quando preciso. 
    Mas as vezes, por pura distração, meu peito apita. Meu coração falha, meu marcapasso grita. Uma corrente elétrica passa pelo meu ventrículo. Minha mente me prega peças. Eu me visto de azul para contrastar com o cenário Quero fugir do tédio. Penso que é um bom dia para bater a cabeça nos trilhos como Anna Karenina. Sinto pressa. Quero amar, quero gritar, quero dançar embaixo da lua brincando de ser Ismália. Quero subir no palco, dar piruetas com um único feixe de luz sobre mim. Chamar atenção de todos os deuses. Quero que as catástrofes cheguem avassaladoras. Quero que os milagres sorriam na ponta dos pés e me tirem para dançar. Me sinto como os anjos que gritam contra Deus quando percebem que suas asas são iguais e que descem ao inferno.
    Daí passa. Eu respiro. Me visto de laranja novamente. É o clima que combina com o meu tédio e com o ruído incessante da mecânica do meu coração. Meu marcapasso desengatilha. Meu coração volta a bater fraco, eu peço perdão aos deuses e sinto frio. O metrô chega, eu dou corda no meu coração e começo de novo. 

Comentários

Postagens mais visitadas