[A contorcionista]

[Leia ouvindo "Honey, It's Allright" - Gregory Alan Isakov]


["Ficamos sabendo enfim, que na verdade as meninas eram mulheres disfarçadas, que compreendiam o amor e também a morte, e que nosso trabalho era apenas criar o ruído que parecia fasciná-las." - Jeffrey Eugenides]

Katie O'Hagan

["O final de um caso é sempre a morte. Ela é minha oficina" - Anne Sexton]


    Uma vez eu pensei que poderia ser contorcionista. Pensei que poderia me apertar em lugares pequenos até meu corpo se acostumar com os pequenos sumiços e inadequações. Eu seria como que uma vítima de comprachicos. Seria meu próprio carrasco, minha própria vítima e seria mais aceitável pensar que eu mesma decidi deslocar minhas articulações para caber nos seus pequenos espaços. Seria mais aceitável pensar que cortei meus cantos para combinar com seus encaixes, para sermos um por uma hora inteira, lentos, gradativos. E tudo isso para eu me levantar e sair pela porta da frente, com os pés descalços para não te acordar no dia seguinte, quase foragida, com as articulações doentes. Eu criei o teu sono te cobrindo com o abismo das minhas mulheres, eu tecia minhas histórias fio a fio, enquanto você as ouvia com a cabeça no meu peito, sonhando com pedaços de outros corpos e eu nunca me importei porque eu entendia que você só era responsável por criar pequenos ruídos que me fascinavam eventualmente por um curto período de tempo. Eu ouvia seus sons como uma criança vendo vagalumes pela primeira vez. Eu os calava como esmagava os vagalumes com as pontas dos dedos. E as vezes me pintava de você.
       Fui ficando espaçosa. As articulações em frangalhos. Mas ainda estava acostumada com lugares apertados, sentia pedaços da minha carne faltando e não tinha certeza se algum dia ela se recomporia, mas continuei dançando mesmo assim, porque me vi em um palco com holofotes e pela primeira vez não tive medo da minha voz, pela primeira vez, meu corpo se mexeu sozinho como se soubesse uma coreografia suave que eu nem lembrava de já ter aprendido. Gritei os abismos das minhas mulheres como se fosse uma oração desesperada em um ruído único e não esperei por plateia ou por aplausos ou por sentir uma cabeça babando em meu peito. Estava desperta, desesperada pelo toque, desesperada por amor, com uma pressa terribilíssima em amar. E foi o que fiz: toquei minha carne doente. Amei-a. Descobri que era eu a responsável afinal, por todos os ruídos que me fascinavam.

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