[Nostalgia]

[Leia ouvindo "Joni Was Right" - Marit Larsen]

["Agora que estou grande sei uma porção de coisas novas. Mas acho que isso não seria útil nas faxinas de primavera da Terra do Nunca"]

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[Maria Kreyn]




          Você era uma criança com olhos de M&M e dedos de gelatina. Seu sorriso tinha janelas e sempre andava com os joelhos esfolados. Você se livrou das curvas infantis e se sentiu esticada, embolada. Seu corpo começou a fazer parábolas e você se esticou mais um pouco, só para ver o quanto aguentaria antes que os fios dentro de você se arrebentassem. Mas você era flexível. Flexível e otimista. Você foi alimentada e condicionada com contos de fadas e expectativas. Foi laboral. Feita com esmero, sua mãe lhe dizia passando os dedos finos como agulhas pelos seus cabelos de palha. E você comprou livros que nunca leria. Os empilhou pelos quatro cantos do quarto. Criou uma muralha de palavras e metáforas e ocultou o seu fel pois era amarga e não queria que bebessem de você.
           Eu te lembro que nós nos beijamos uma vez no cinema sem nenhuma intenção, só porque o filme era péssimo e porque éramos bons amigos. E você me lembra que já fazem dois anos e que você odiava ver mulheres idealizadas demais no cinema. "Não é agradável aos olhos", você diz. Você me conta que já sabe beber e que já não precisa de ninguém para segurar a sua cabeça na hora de vomitar sentimentos e que fuma de vez em quando, bem raramente um ou dois cigarros de palha. Eu te conto dos fumantes que eu namorei, e do trabalho e de como eu estava ouvindo asleep sem parar e acabei me lembrando de você. E você sorri, acende um cigarro e me pede para ler algo meu em voz alta, como costumava fazer quando éramos mais novos. E eu te conto que já não escrevo mais faz tempo e você lamenta. Lamenta como daquela vez em que você me abraçou forte na varanda e era horário de verão e o sol nascia lá pelas sete. E eu te digo que somos adultos agora, com acúmulo de lamentos e arrependimentos e sonhos. Pilhas de sonhos que deixamos putrefar naquela varanda.  
          Você diz que tem orgulho de mim e pergunta de "todo mundo" que passou pela mesma varanda e riu e chorou, e às vezes fez os dois simultaneamente com a barriga doendo. E eu te digo que já faz muito tempo e eu mal sei onde anda aquele nosso velho amigo que foi o primeiro a tirar carteira de motorista e bateu o carro com tudo no poste. "Ele ainda está preso lá", você me diz provavelmente pensando nos fios que se arrebentaram dentro dele e me passa o cigarro como fazíamos quando éramos mais novos. Vemos o pôr do sol como não víamos a muito tempo, sentados no térreo, onde a vista não é tão bonita, mas de certa forma nos faz pensar em algumas coisas: o violão que não toco mais, as suas sapatilhas de pontas que envelheceram na casa dos seus pais, a volta pra casa silenciosa, a sorveteria da esquina da escola, olhos de M&M e dedos de gelatina. 

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