[Intrusiva]

[Leia Ouvindo "Astronaut" - Gregory Alan Isakov] 

["Minha mente é muito perigosa. É incrível o quão difícil é para mim não pensar. Até agora tem sido impossível" - Petra Costa]


              Às vezes, quando ninguém está olhando, e eu estou perto de uma janela de vidro, eu imagino como seria cair de lá. Eu penso em quebrar o vidro com o punho, desferindo diversos golpes maldosos contra ele. Penso nos cacos e no sangue e no punho sangrando. Depois penso no corpo tombando lá de cima. Meu vestido inflando, como Cecília em Virgens suicidas. Talvez o comprimento do vestido fizesse com que ele virasse um paraquedas. Eu chegaria sã e salva depois que pulasse do oitavo andar. Ou talvez os paramédicos chegassem rápidos ao meu corpo inerte na calçada. Talvez eu caísse em cima de uma velhinha. 
            Ás vezes, quando ninguém está olhando e eu estou pegando o ônibus sozinha, eu penso em atirar meu celular pela janela. Seria tão fácil. Eu imagino os carros passando por cima e ele ficando em mil pedacinhos e o desespero me prende. E se eu jogasse o celular? O agarro com mais força. E se eu jogasse o celular? Fecho a janela rápido. E. Se. Eu. Jogasse. O. Celular? Fecho os olhos e imagino como seria ser o celular e dar cambalhotas pela pista movimentada. Perdendo minhas peças por aí. Arranhando minha pele no asfalto. 
             Às vezes, quando ninguém está olhando, e eu tenho uma faca por perto, eu penso em como seria abrir uma linha fina nas minhas costelas para explorar o que tem lá dentro junto com as entranhas. Eu precisaria cortar fundo. Fundo. Puxar as costelas e tentar enfiar as mãos pelo meu dorso. Eu teria que puxar-puxar-puxar. Nessas horas, eu escondo a faca de mim mesma. Guardo quaisquer objetos cortantes que possam me ajudar nesta espreitada e vou para cama tentando não imaginar como seria e sinto cheiro de sangue e fecho os olhos com mais força e eu só fico melhor quando eu tranco a porta.
               Às vezes, quando ninguém está olhando, me vem na mente o pensamento de que se eu não mastigar trita vezes eu posso engasgar e eu sinto a garganta se fechando e ao mesmo tempo eu esqueço como se respira; e ao mesmo tempo eu acho que alguém pode morrer se eu não estalar todos os dedos das mãos - exceto os dedos mindinhos. 
              Às vezes, quando ninguém está olhando e eu me sinto vazia e louca e triste, eu giro e giro e giro embaixo da lua até ficar tonta. Me deito ali. Metade deprimida. Metade ansiosa. Nestas madrugadas, eu consigo calar os pensamentos ruins e eu choro. Choro com a respiração pesada. Mil toneladas no peito. E uma criança passa. E ela pergunta o que eu tenho para a mãe ela. "Ela é assim mesmo, filha. Ela é assim mesmo". E no dia seguinte eu estou pronta para enfrentar os demônios e desafiar objetos pontudos e ônibus e prédios altos. Eu estou renascida e consigo pensar em livros. Em poemas. Em músicas. E consigo respirar.

Comentários

Postagens mais visitadas