[9 de Outubro]

[Leia ouvindo I Turn To Water - Maggie Clifford]
[Parece tristeza, mas é só TPM]

                  






                 Eu queria fazer um retrato da minha tristeza. Mas três motivos me impedem: primeiro eu não sei onde ela começa em mim. Segundo, eu não tenho talento o suficiente para desenhar um retrato assim, a caneta. Terceiro, esses dias está meio difícil ver qualquer reflexo meu. 
                   Eu costumava acreditar que eu era predestinada. Quando era criança acordava no meio da noite com as pernas doendo. "São as dores de crescimento", mamãe dizia. Como eu sofri com elas. Ouso dizer que vez ou outra ainda as sinto. Quando eu tinha oito e tantos anos eu costumava fazer apostas comigo mesma. Eu tinha medo da minha avó morrer, então eu prometi que não ia usar roxo nem às segundas e nem às quartas. Eu tinha medo de engasgar enquanto comia, talvez eu tivesse um rolo de fios entalados na garganta que me impediam de chorar, de falar, de comer. Então prometi não ver filmes de terror e não assistir os desenhos de domingo e isso me deixou mais calma e eu quase parei de sentir os fios na garganta e de ter medo que a minha avó morresse. 
                  Eu costumava dizer que dei meu primeiro beijo aos 12 anos. Foi áspero, me rasgando por dentro, me cortando a língua: os pensamentos intrusivos me tiraram para dançar no meio da noite arrebentando partes minhas que eu precisei remendar mais tarde. Eu conheci Marina & The Diamonds e mascava chiclete quando tentava não comer-comer-comer por impulso até a barriga explodir, o que funcionava por duas ou três horas. 
              Com dezesseis anos eu entrei no consultório pela primeira vez. A psicóloga sorria e a calmaria dela me irritava. Eu chorei por quarenta e cinco minutos na primeira sessão. Chorei por 30 minutos na segunda. Na quinta eu só chorei por dez minutos e consegui elaborar algumas frases com sentido sem soluçar. Com dezessete anos eu conheci o escitalopran e vivia com sono. Ficava deitada por horas a fio pensando em bichos de pelúcia com olhos tristes, diminutivos e palavras soltas. E passava os dias assim, sendo mais ou menos. Morna. Molho de chuchu. Água. Presa no meu próprio limbo. A dosagem subiu-aumentou-subiu. Perdi sei lá quantas horas desenovelando o meu cérebro e o jogando aos pés da estranha com o sorriso gentil. Vivi assim: Macabea, Lázara, Ismália, Elena. Metade loucura, metade ânsia. Meio Plath, meio Sexton. E eu juro que seria diferente se pudesse. 
                       Vez ou outra eu volto a fazer rituais. E apostas. E os medos descomunais embalam o meu sono e volto a ter relapsos do meu primeiro beijo. Passo a semana de cama, moribunda, sabática. Choro e grito por nada. Tomo um café. Leio poesia. Faço piada. Quero sumir. Respiro fundo. Eu achava que era predestinada. Sorteada para carregar pesos por aí. Hoje eu descobri que só sou humana mesmo. Ridiculamente humana. 
                     

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