[Passageiro]
[Leia ouvindo "La Flamme À Lunettes" - Dionysos]
["Respondo-lhe que a mecânica do coração não pode funcionar sem emoções, mas não me aventuro adiante nesse terreno movediço"]

Katie O'Hagan

Katie O'Hagan
Eu finjo que não mas eu adorava o seu sorriso besta e como os seus óculos escorregavam para a ponta do seu nariz, isso porque você quase não os usava, e justificava de maneira tosca: "Atrapalha a logística dos beijos". E você odiava a "hora mágica" mas se deitava do meu lado quase todas as tardes para acompanhar o sumiço do Sol. E eu lembro de como você amava Love Story porque sempre foi chegada em um clichê. E você guardava no bolso as suas frases prontas retiradas de livros grossos que eu nunca li: "Amar é nunca ter que pedir perdão", você disse quando "sem querer" jogou fora a minha camiseta preferida dos beatles. Eu reformulei o seu clichê depois de um tempo. O amor, meu bem, é o acúmulo das pequenas coisas. É te ver deitada na grama enquanto o sol teima em iluminar seus olhos castanhos e seus cabelos escuros enquanto você reclama dele. O amor é quando você resmunga e me faz rir contando três mil histórias. Eu guardava todas de baixo do meu travesseiro, pode dizer, eu sou um colecionador. O amor beira a loucura, veja você: eu sei o que significa cada riso, eu sei o que significa cada censura, eu sei o que você quer dizer quando cita Quem Tem Medo de Virgínia Woolf me implorando para não sermos Marta e George porque você prefere Bonnie e Clyde, até mesmo Thelma e Louise, mas não suportaria ser Marta e George. Eu começava a rir sempre que você dizia isso porque eu sabia que a única forma de envelhecer do seu lado seria virando um George de língua afiada e com todos os tipos de joguinhos e tréplicas que você me ensinou a fazer. Quando chegou a hora de fazer as malas e ir embora, eu me senti aliviado como quando se apaga um incêndio. Eu fui para bem longe da bagunça que fizemos.
Eu finjo que não mas eu adorava a sua cara zangada e a forma como ela balançava com um meio sorriso sempre que eu fazia algo que você desaprovava, isso porque você sempre fingia me censurar enquanto eu anotava todos os seus improvisos emocionais para usar contra você mais tarde. E você amava a droga da "Hora mágica", o horário mais estranho do dia se quer saber; e eu lembro de sempre reclamar mas de tolerar assistir o sumiço do sol diversas vezes. Isso chegava a ser mais clichê do que Love Story. E eles estavam errados, meu bem. Por mais que o argumento tenha servido para mim quando eu joguei fora a camiseta velha dos Beatles e para você quando se livrou do meu pôster do Tarantino e - eu sei que você odiava a droga do poster, mas o que a bandana te fez - da minha bandana. Amar é saber que além de sermos a soma de nossas partes, somos partes inteiras. Por isso amar é saber a hora de ir embora. Éramos metades de medidas diferentes e fingimos por um bom tempo que isso não importava. Tentávamos nos acompanhar e falhávamos miseravelmente todas as vezes. Você era líquido inflamável, eu era como o fogo. Destruímos tudo o que tocamos e fingimos que não era nada enquanto o chão se abria diante dos nossos pés. Acima de tudo, amar é ver o outro feliz e - que merda de clichê - eu só podia fazer isso indo embora.
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