[Soledade]


[Leia ouvindo "Put On Your Sunday Clothes" - Hello, Dolly"]

[Eis aqui um texto ruim, sem pé nem cabeça.]

["A ausência é um estar em mim. 
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, 
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada, 
ninguém a rouba de mim"
- Carlos Drummond de Andrade]

[Sherry Lee]


    A primeira sensação de abandono que tive foi no parto. Expulsa-expelida da primeira casa, quase uma pária, engasgada com o líquido amniótico, os pulmões inflando com oxigênio. Essa deve ter sido a primeira dor também. Devo ter me assustado com o meu próprio choro, devo ter ficado com medo das sombras na minha frente, sem distinguir forma, cor, sensação.
    Mais tarde saí em viagem, os primeiros passos, a primeira palavra, os primeiros tombos. Mais tarde, ao dar adeus as rodinhas de bicicleta ou ao ralar o joelho quando eu caí naquele dia frio que eu não me lembro bem, eu já estava quase que calejada, paciente, desimportada com toda dor, quase que imune; nem por isso deixei de chorar quando minha mãe derramou merthiolate no meu machucado. Isso porque eu nunca fui uma boa perdedora. Nunca dominei a arte de perder que Elizabeth Bishop e Pedro Chagas Freitas tanto tentaram enfiar na minha cabeça. 
    Mesmo assim, enfrentei com a cara boa algumas despedidas e outras sensações de abandono que tentavam me sufocar como o liquido amniótico, que expandiam meus pulmões e os faziam arder. Quando eu guardei as bonecas velhas numa caixa. Quando as mãos do vovô pararam de me alcançar. Quando as mãos da vovó, que tremiam tanto, ficaram gélidas, estáticas. Quando eu me perdi no caminho de casa e não sabia se podia mesmo voltar pelo caminho inverso. E eu sempre dizia comigo, como um mantra, uma oração: isso tudo é um preparo. Um dia eu vou estar preparada para a maior perda e dor que irão arrebentar com os meus fios por dentro, e eu não vou chorar. 
    Mas eu ainda não aprendi a perder. Sou como as crianças mimadas que prendem a respiração ou que se jogam no chão do supermercado prontas para fazer birra. No cabo de guerra, minhas mãos saem calejadas e sou eu quem bate a cara no asfalto por me recusar a largar. Mas a ausência nunca me deixa. Sinto as minhas partes e as delas tão remendadas quanto possível, um nó de costura que nunca se desfaz; fico quase consolada por saber que isso não é perdível e quase que deixo de listar as tais perdas irreparáveis que compartilho com Plath. Me concentro na ausência, deixo que ela me tire para dançar sorridente, caótica como deve ser. Nessas situações eu escuto os sussurros de Elizabeth Bishop, serena e paciente: "A arte de perder não é nenhum mistério/Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero/ A chave perdida, a hora gasta bestamente/ A arte de perder não é nenhum mistério/ Perdi duas cidades lindas. E um Império/ Que era meu, dois rios, e mais um continente/ Tenho saudade deles. Mas não é nada sério".
    Espero aprender isso e breve. 





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