[O Jogo (sim, mais uma vez)]

[Leia ouvindo: Lenine - Leve Suave]
[De vez em quando, eu quase desisto de jogar - quase]
[Para ser honesta, eu não gosto nem um pouco deste texto]

Merry See03
Merry See


["João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história"]







                   Um dia desses (se bem que já faz algum tempo) eu estava com esses dois amigos em um bar. E que coisa engraçada! Falávamos sobre casamento e sobre filhos e sobre como eu levaria uma cafeteira no casamento deles. A sobrinha dele seria a daminha e eu faria um brinde. A minha amiga era tagarela e dispersa, gostava de contar o final dos filmes, o que era bom porque meu amigo sempre dormia no meio deles. Com ela do lado, ele sempre sabia o que ia acontecer. 
                   Eu não esqueci de trazer a cafeteira, apesar de achar que a minha amiga não fará bom uso dela já que não veio ao casamento. E o meu amigo parece bem ao lado da noiva dele - a que ele conheceu depois de dizer que nunca superaria nossa amiga que resolveu ir dominar a Europa com um chapéu de palha cobrindo o peito aberto. Sempre falamos que o nosso mundo era pequeno demais para ela. Mas eu entendo. Eu acho. Depois de um tempo, entre murros em pontas de faca e ventrículos extirpados do coração, acabamos optando pela paz. Ás vezes ela vem de véu e grinalda. Outras vezes ela vem com uma música, ou um melodrama. E o danado do amor faz estripulia ralando os joelhos e rasgando o corpo andrógeno e - já dizia Drummond - é uma dor que as vezes não sara nunca. Mas as vezes sara amanhã. Acho que finalmente entendi o que ele quis dizer. 
                    Isso me faz pensar nas coisas que o tempo varre, no café que aquele cara ficou me devendo ou na vez que correram atrás de mim na biblioteca só para discutirmos Bukowski um pouco mais. Lembro daquele primeiro beijo na minha festa de dezoito anos e da vez em que fiquei só com aquela pessoa no metrô num silêncio infinito. Me faz pensar nas voltas para casa e nos banhos de chuva e nas madrugadas que passamos altos, triunfantes, nas pontas dos pés com medo de acordar o resto do mundo com a nossa extravagância e babaquice. Eu já me apaixonei tantas vezes por tantos rostos diferentes e já deu errado de tantas formas que eu estou ficando craque neste jogo. 
                    Mas me sinto bem. Soube que um viajou para a Alemanha com um sorriso no rosto. Outro amor se casou e tem uma menininha linda que herdou o sorriso de canto. Outro abriu um bar e faz cerveja artesanal e me manda mensagem de vez em quando perguntando como as coisas vão indo. Ainda penso na pessoa que me deve o café quando estou muito triste, mas não posso fazer muito quanto a isso, porque essa pessoa tentou alcançar as estrelas. E tudo bem. Sempre fica bem.
                        Essa minha amiga, antes de se mudar, me deu um abraço apertado e com lágrimas nos olhos me lembrou que tudo é um jogo. Um morde e assopra. Uma brincadeira de criança. Fico pensando em ficar no banco por um tempo. Jogar no time reserva. Assistir da plateia. Acho que é tudo que eu sei fazer por hora.  




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